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Relatório denuncia relação entre mercado e grilagem no Cerrado

    Relatório denuncia relação entre mercado e grilagem no Cerrado

    Monitorar o grau de desmatamento no Cerrado, bioma que vem perdendo áreas para o cultivo de soja, é algo que já foi relatado por especialistas. Explicar também como as empresas do agronegócio mantêm relações com imobiliárias, subsidiárias e mercado financeiro para burlar leis e aumentar as margens de lucro, ao mesmo tempo em que aumentam a pressão sobre as comunidades tradicionais, é algo que ganha relevância nesse contexto e é o que motiva o relatório divulgado nesta quarta-feira – feira (12), em São Paulo, pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, que tem como foco o sul do Piauí.

    O documento Transnacionais do agronegócio causam violência, grilagem e destruição no Cerrado traz à tona casos de fazendas com histórico de emissão de títulos de propriedade falsos e atuação de redes que colocam em prática estratégias para acobertar irregularidades fundiárias.

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    No esquema envolvendo o nome da empresa Bunge, outro aspecto levantado pelos pesquisadores é que os agricultores acabam conseguindo crédito a um custo alto, já que, ao adquirirem insumos químicos produzidos pela empresa, se endividam e acabam entregando sua produção a ele, a fim de saldar dívidas.

    centro de disputa

    A Kajubar, no município de Santa Filomena, é uma das fazendas que está no centro das disputas e deveria pertencer a comunidades tradicionais. Em 2021, perdeu uma área de 1.800 hectares para o desmatamento, situação que cessou nos dois anos seguintes.

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    A legislação estadual proíbe qualquer tipo de exploração, desenvolvimento e licenciamento ambiental desde que haja sobreposição de territórios – no caso, comunidades tradicionais – e não haja definição de quem tem direito a eles. A Agência Brasil procurou a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e não obteve resposta.

    Conforme explicam os pesquisadores que assinaram o relatório, os esquemas que impactam terras como Kajubar têm como agentes tanto empresas do agronegócio quanto imobiliárias agrícolas e tradings (tradings). O que você faz é comprar um terreno por um preço baixo e vendê-lo por um preço muito mais alto. Ao mesmo tempo, as empresas ligadas incentivam a monocultura de produtos como a soja.

    Também no município de Santa Filomena, outras terras, totalizando 124 mil hectares, tiveram seu registro bloqueado pela Vara Agrária da Comarca de Bom Jesus, município vizinho, por indícios de grilagem e outras ilegalidades. Há dois anos, o grupo empresarial que lutava por sua titularidade, violando os direitos das comunidades rurais locais, conseguiu, na Justiça, desbloqueá-la, o que aumentou a violência e as ameaças contra essa população.

    Exploração madeireira

    Entre as fazendas desse perímetro estão a Santa Alice e a Tupã. O mesmo processo ocorreu com as fazendas Tagí, Baixão Fechado, Passárgada, Reata, São Manoel, Serra do Ovo, São Paulo, Novas e Fortaleza I, II e III. Os níveis de desflorestação referidos no relatório decorrem do acompanhamento da organização AidEnvironment. No documento divulgado, um ponto que merece destaque é a facilidade com que uma área de cerrado é desmatada, já que pode ser feito com apenas dois tratores e uma corrente.

    “O esquema de grilagem funciona por meio do registro de títulos falsos. Geralmente começa com o registro de um pequeno lote, que serve para justificar a apropriação de áreas maiores por meio desses títulos iniciais falsos, envolvendo dezenas ou até centenas de milhares de hectares, ” escrevem os pesquisadores.

    “As áreas mais cobiçadas pelo agronegócio são as chapadas do Cerrado, com terras planas e altas, onde a monocultura da soja está se expandindo com possibilidade de produção mecanizada. Quando outras empresas compram essas áreas formadas por grilagem, o processo de queimadas e desmatamentos prévios esconde a origem da terra”, acrescentam.

    Em entrevista à Agência Brasil, um dos autores da reportagem, Fábio Pitta, que acompanha o cenário há uma década, destacou que o importante é mostrar que o capital financeiro dita o ritmo da grilagem de terras. Ele disse ainda que o que o relatório ilustra é apenas uma parte do que acontece no Matopiba (fronteira do cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

    “As pessoas falam que a terra está ‘esquentando’. E, sem o comprador, não tem grilagem, porque senão o grileiro está nas mãos dele e não tem nada a ver com isso”, diz Pitta.

    barganhas

    Conforme aponta o pesquisador, as negociações não seriam viáveis ​​se não fosse a participação do poder público. “A gente vê várias características do poder público que incentivam isso. Primeiro, todo o apoio ao agronegócio, ao latifúndio, todo o discurso e toda a agroideologia que estamos acostumados a ouvir, que faz uma ideologia e não permite que isso seja questionados. Isso faz com que as instituições do Estado atuem, muitas vezes, até de forma independente umas das outras, o que é um grande problema nesse sentido, para acabarem fomentando o agro”, afirmou, citando como exemplo a falta de articulação entre quem tem como Compete à concessão do licenciamento ambiental, órgão responsável pela emissão de parecer antropológico que ateste a presença de uma comunidade tradicional no local e que a fiscalize.”

    “Ao mesmo tempo, a lentidão do Judiciário em lidar com terras que, em algum momento, foram reconhecidas como irregulares e ajuizou ação contra essas áreas e esses grileiros. adianta, porque é ilegal, não precisa da legalidade do Estado. O Estado acaba contribuindo para forjar uma imagem de legalidade”, acrescenta Pitta.

    O outro lado

    Em nota enviada à reportagem, a assessoria da Bunge afirma que “não comenta relações comerciais” e que “está em conformidade com todas as suas rigorosas políticas socioambientais”.

    Segundo a empresa, não são tolerados casos de violação de direitos humanos ou outras formas de exploração.

    “O compromisso da Bunge de não desmatar e converter a vegetação nativa em cadeias de valor até 2025 é parte central da estratégia e planejamento de negócios da empresa. A Bunge não compra grãos de áreas desmatadas ilegalmente e mantém rígido controle sobre critérios socioambientais em operações. Usamos tecnologia de satélite de última geração para monitorar áreas prioritárias na América do Sul – mais de 16.000 fazendas, cobrindo mais de 20 milhões de hectares. Como resultado desses esforços, mais de 97% de nossos volumes de soja do Brasil estão livres de desmatamento e conversão. Isso mostra que estamos muito próximos de atingir nossa meta de desmatamento zero em 2025″, afirma na mensagem.

    “Nosso monitoramento é capaz de identificar mudanças de uso da terra e plantio de soja em cada uma das fazendas de onde originamos e captar a abertura de novas áreas nas regiões monitoradas. A maior parte do nosso abastecimento no Brasil é direto, para o qual já atingimos 100 % rastreabilidade e monitoramento, auditado anualmente por terceira parte.No ano passado, anunciamos que superamos nossa meta intermediária de rastreabilidade da cadeia indireta e já atingimos 82% dos volumes adquiridos em regiões-chave, como o cerrado. sendo realizado por meio do Programa Parceria Sustentável, iniciativa pioneira que apóia os revendedores de grãos na adoção de sistemas de verificação, rastreabilidade e monitoramento socioambientais, possibilitando maior visibilidade de sua cadeia produtiva. sustentabilidade e transparência da cadeia indireta da soja no Brasil, influenciando o setor como um todo e promovendo importantes transformações sistêmicas”, finaliza.


    **Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Do Campo**

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