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Programa de conversão de pastagens pode prejudicar produção brasileira de carne bovina

    Programa de conversao de pastagens pode prejudicar producao brasileira de

    Foto: Luiz Antonio Dias Leal/Embrapa/Divulgação

    Da redação AGROemDIA

    Anunciado como uma das principais ações pelo campo neste terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o conversão de área de pastagens degradadas para aumentar a área plantada com grãos preocupa o cadeia produtiva de gado de corte. Representantes do setor consideram a proposta positiva, mas entendem que ela não deve se limitar à produção de grãos, o que pode causar um desequilíbrio na agricultura, com impacto nas exportações, no abastecimento interno de carne bovina e na geração de empregos e renda.

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    Dirigentes da pecuária defendem que o programa de reconversão de áreas degradadas também deveria ter uma política compatível com a pecuária, permitindo manter a produção e aumentar a produtividade nas áreas remanescentes de pecuária. Ou seja, oferecer ao setor condições de investir em tecnologia e intensivar pastagens para continuar garantindo a oferta de carne bovina em volumes capazes de atender a demanda doméstica e mundial.

    O temor é que a pecuária perca competitividade se não tiver uma política de sustentabilidade. Isso, alertam, ameaçaria a permanência de pequenos e médios frigoríficos no mercado, reduziria a produção de carne bovina e reduziria a geração de empregos e renda na cadeia produtiva, além de estimular a expansão da atividade em regiões de fronteira e na Amazônia. Tudo isso, apontam, vai contra o próprio programa do governo Lula.

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    A recuperação das pastagens já faz parte do Plano ABC (agricultura de baixo carbono), mas o governo quer fomentá-la ainda mais no Plano Safra 2023/24, a ser anunciado em junho. A meta do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) é reconverter, em duas décadas, 40 milhões de hectares atualmente destinados à pecuária, que ocupam um total de 165,2 mi/ha do território brasileiro.

    A projeção do governo federal é de que a incorporação dessa área à agricultura permitirá ao Brasil aumentar, de forma socioambientalmente sustentável, a produção de grãos para atender parte substancial da demanda mundial por alimentos em 2050, quando o planeta deverá ter 9,7 bilhões de habitantes, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU).

    Representantes da pecuária lembram, porém, que a conversão ocorre normalmente em áreas com maior aptidão para a agricultura, relegando a pecuária para áreas de menor potencial produtivo ou para regiões de fronteira agrícola. Apontam também que a rentabilidade da pecuária costuma ser muito inferior à obtida pela agricultura de alta tecnologia, normalmente destinada à exportação, o que dificulta a competitividade da pecuária em termos de atração de investimentos.

    segurança alimentar global

    Para representantes da pecuária, a contribuição do Brasil para a segurança alimentar mundial não pode prescindir da oferta de proteína animal, principalmente a de origem bovina. Afinal, o país possui o maior rebanho comercial do mundo, com mais de 215 milhões de cabeças de gado, e é o maior exportador de carne bovina do planeta. Em 2022, as exportações do produto somaram quase 3 milhões de toneladas, com receita de US$ 13 bilhões, atingindo cerca de 160 países.

    Operadores do setor pecuário acreditam que a atuação do Brasil no mercado internacional de carne bovina não pode ser desconsiderada em uma política que visa reforçar a segurança alimentar do planeta. Até porque, apontam, a demanda mundial pelo produto vem crescendo. Não só na China, maior importadora da carne bovina brasileira, mas também em outros países da Ásia e América do Norte (Estados Unidos, Canadá e México).

    No caso específico da China, destacam os representantes da pecuária, o potencial da carne bovina é imenso. No país asiático, cada habitante consome cerca de quatro quilos de carne bovina por ano, ante 25 quilos/habitante/ano no Brasil, levando em conta apenas o abate supervisionado. Isso significa que ainda há muito espaço para o crescimento do consumo de carne bovina naquele mercado, do qual o Brasil é um dos principais parceiros comerciais.

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    Foto: Keke Barcellos/Embrapa/Divulgação

    “Cada quilo a mais de carne no consumo de carne bovina por cada chinês equivale a 1,5 milhão de toneladas, ou metade das atuais exportações brasileiras, sendo que 1/3 desse volume vem necessariamente de importações”, informa Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global; Maurício Palma Nogueira, diretor da Athenagro; e Fernanda Kesrouani Lemos, pesquisadora sênior do Insper Agro Global; no artigo “A carne bovina brasileira na China e no mundo”, publicado no jornal digital Poder360.

    Outro ponto a ser considerado é que a cadeia produtiva da carne bovina engloba diversas atividades, que vão desde a proteína que alimenta consumidores no Brasil e em quase todo o mundo, até o fornecimento de insumos para diversas outras indústrias, como couro, rações para animais de outras espécies, produtos de limpeza, cosméticos, gelatina, medicamentos, insumos para laboratórios e pesquisas, biocombustíveis, etc. Estima-se que mais de 70 setores utilizam matérias-primas provenientes da pecuária, que também geram empregos e renda. Diante disso, dizem representantes do setor, a indústria da carne bovina precisa ser mais bem observada pelo governo e seus formuladores de políticas.

    Frigoríficos pequenos e médios

    Com um cenário mundial de demanda crescente, apontam os pecuaristas, o que o Brasil precisa é aumentar a produção. Para isso, afirmam, o país terá que aumentar o número de frigoríficos autorizados a exportar, principalmente para a China. Eles esperam que as novas habilitações atinjam principalmente os frigoríficos de pequeno e médio porte, responsáveis ​​por mais de 60% da produção nacional de carne bovina.

    Hoje, argumentam, o Brasil vive um grande paradoxo, pois, embora o país seja visto como o maior exportador de carne bovina do mundo, a maioria das pequenas e médias empresas que não possuem licença para a China vive uma grave crise financeira .

    “É muito difícil para uma pequena ou média empresa que abastece o mercado interno competir com uma grande exportadora, principalmente na aquisição de gado para abate, visto que os preços internacionais e os volumes de exportação são muito maiores”, analisou uma fonte da o setor. .

    Outro representante lembrou que, “no passado, as políticas implementadas via BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] incentivou um forte processo de concentração no setor, prejudicando diversas pequenas e médias empresas. Está na hora desse governo, que tem viés social, olhar mais de perto as pequenas e médias empresas”.

    Frigoríficos de pequeno e médio porte, observam os agentes da pecuária, também são geradores de emprego e renda em muitos municípios do interior do país, além de impulsionar o comércio e estimular a arrecadação de impostos. Se esses estabelecimentos fecharem por falta de apoio das políticas públicas, a tendência é que o desemprego piore em muitas regiões, além de elevar o preço da carne para o consumidor brasileiro. Por isso, dizem eles, o governo precisa olhar mais de perto os pequenos e médios frigoríficos e pecuaristas, setor que trabalha com custos elevados e margens de lucro reduzidas.

    Visita de Lula à China eleva expectativas do setor

    A expectativa dos representantes da pecuária é que a visita do presidente Lula à China, na próxima semana, contribua para que um maior número de pequenos e médios estabelecimentos exporte para o país asiático. Embora saibam que essa é uma decisão do governo chinês, eles veem a viagem de Lula como uma oportunidade de diversificar os fornecedores de carne bovina brasileira para o mercado chinês.

    Na avaliação de representantes da pecuária, o início de um novo governo favorece a correção de distorções internas que desequilibram a competitividade de empresas brasileiras capazes de atender a demanda internacional. O livre mercado, eles argumentam, precisa de pluralidade para ser mais inclusivo socioeconomicamente.

    Portanto, consideram importante que o Ministério da Agricultura e Pecuária não priorize apenas o aumento do cultivo de grãos no programa de recuperação e conversão de pastagens degradadas. Para eles, é fundamental também dar atenção à pecuária, incentivando também seu crescimento e desenvolvimento sustentável.

    Fonte: Agro