A busca por processos sustentáveis, com menor consumo de energia e menos agressivos ao meio ambiente, deve nortear a indústria química nos próximos dez anos na produção de álcoois e ácidos carboxílicos, matérias-primas para diversas indústrias. Essa foi uma das conclusões de um amplo estudo realizado pela Embrapa Agroenergia (DF) que gerou mapas de rotas tecnológicas para 20 tipos de álcool e 31 ácidos carboxílicos. Os principais dados estão disponíveis no site do Observatório de Tendências de Combustíveis e Bioprodutos.
Com base em diversas fontes como notícias, patentes, publicações científicas e entrevistas com profissionais da área, o trabalho buscou traçar um panorama do setor a curto, médio e longo prazo e antecipar-se ao mercado. “O estudo também mapeou as principais fontes de matéria-prima, os processos tecnológicos, as possíveis áreas de aplicação no mercado e as empresas que já trabalham com esses materiais”, diz a analista Melissa Braga, da Embrapa, responsável pelo trabalho que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF).
Os roadmaps tecnológicos (ou Technology Roadmapping Method – TRM) são ferramentas de inteligência estratégica amplamente utilizadas no ambiente corporativo para fins de planejamento e, no caso da Embrapa, buscam consolidar informações contidas em diversas fontes e orientar trabalhos de pesquisa, alinhando-os às tendências de mercado e demandas.
“A Embrapa Agroenergia acompanha sistematicamente a evolução de alguns temas relacionados à agregação de valor à biomassa lignocelulósica”, informa Braga, lembrando que a escolha dos primeiros temas, álcoois e ácidos carboxílicos, teve como ponto de partida o mapa estratégico de atuação da Embrapa Agroenergia. Para traçar os mapas, a equipe optou por utilizar um método prospectivo semiquantitativo para identificar e priorizar tecnologias emergentes, nos horizontes de curto, médio e longo prazos.
“O trabalho desenvolvido pela equipe ajudará a gestão a traçar estratégias e direcionar pesquisas para futuros prováveis”, afirma a pesquisadora Mônica Damaso, responsável pelo Observatório de Tendências de Biocombustíveis e Bioprodutos (OTBB) da Embrapa Agroenergia. Damaso informa que esses cenários estão alinhados com a chamada bioeconomia, o conjunto de atividades econômicas em que a biotecnologia tem uma contribuição central na produção primária e na indústria.
Esta definição é da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “O roadmap é uma espécie de guia que ajuda as equipes a traçar os caminhos mais eficientes e rentáveis para a empresa. É uma ferramenta visual utilizada por empresas de todos os portes e segmentos para direcionar novos projetos”, acrescenta Damaso.
Segundo Bruno Laviola, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia, as informações obtidas têm sido utilizadas para gerir a programação de projetos voltados à geração de tecnologias competitivas, dentro de um ambiente que tem a inovação como premissa fundamental. Além disso, esses estudos são utilizados na elaboração dos compromissos que compõem a Agenda Institucional e na definição de entregas de curto, médio e longo prazos de insumos de base renovável para a agroindústria brasileira.
Novos processos
“A busca por processos sustentáveis, com menor demanda de energia e menos nocivos ao meio ambiente, os chamados ‘processos biotecnológicos’, volta a ser objeto de pesquisas como uma rota alternativa para a obtenção de produtos orgânicos. Soma-se a esse fator a rápida evolução da biotecnologia, que amplia as possibilidades de novos produtos a partir da bioconversão ou que reexamina bioprocessos abandonados, em busca da viabilidade econômica de produtos com interesse comercial”, explica Braga.
O resultado do trabalho prospectivo mostrou que a bioconversão (processos fermentativos ou enzimáticos) deve ser responsável pela conversão mais eficiente de matérias-primas em álcoois e ácidos úteis para o mercado, de forma mais seletiva e ambientalmente correta.
Roteiros Álcoois e Ácidos
A equipe da Embrapa preparou dois mapas de rotas tecnológicas: um para álcoois e outro para ácidos carboxílicos. Ambos são compostos amplamente utilizados na indústria de alimentos, bebidas e cosméticos, e também podem ser combinados com outros compostos para uso em uma variedade de produtos químicos.
Para ambos os mapas, foi traçado o direcionamento tecnológico dos principais produtos, matérias-primas e processos para os mercados de solventes, polímeros, tintas e revestimentos, cosméticos e higiene pessoal, farmacêuticos, alimentos e bebidas.
Álcoois de base biológica
Os álcoois são compostos versáteis, amplamente utilizados em diversos segmentos industriais, como combustíveis, solventes, intermediários químicos e alimentos. Atualmente, apenas uma fração dos álcoois pode ser considerada de base biológica, mas sua diversidade de aplicações industriais, a crescente demanda por energia e a autossuficiência energética, somados aos benefícios ambientais associados à substituição ou redução do uso da gasolina, têm impulsionado o desenvolvimento desta classe de compostos.
O mapa da rota tecnológica apontou que são inúmeros os álcoois que podem ser obtidos a partir de matérias-primas renováveis por diferentes processos, mas 20 álcoois foram considerados mais relevantes sob os aspectos técnicos e comerciais, sendo que aqueles com processos de bioconversão industrial já estabelecidos obtiveram o maior número e importância de iniciativas pensadas para o curto, médio e longo prazos.
“Essa renovação tecnológica se dará na diversificação de matérias-primas e na modificação genética de microorganismos, principalmente para a produção de álcoois etanólicos, dióis e xilitol”, aponta Braga.
ácidos carboxílicos
Os ácidos carboxílicos são comuns no setor alimentício, mas se destacam como intermediários na indústria química, atuando como precursores de polímeros, fármacos e outros produtos de importância econômica.
O estudo dos ácidos foi tema da tese de doutorado “Análise do futuro dos ácidos carboxílicos de base biológica: uma abordagem semiquantitativa do mapeamento tecnológico”, defendida pela analista Melissa Braga em 2021 na Universidade de Brasília (UnB).
“Os resultados mostraram que a produção de ácidos carboxílicos a partir de fontes renováveis de matéria-prima é um campo tecnológico bastante dinâmico, fruto do fluxo intenso de atores, e ao mesmo tempo frágil, diante da concorrência com petroquímicos”, explica o coordenador do estudo.
O estudo apontou que existem 31 ácidos carboxílicos considerados mais relevantes sob os aspectos técnicos e comerciais. Destes, os ácidos com processos de bioconversão industrial já estabelecidos, como o lático, succínico e cítrico, foram apontados como os mais promissores, devido ao histórico de sucesso dos processos, somado às perspectivas de surgimento de novos mercados. Segundo Braga, esses ácidos devem ser os responsáveis pelo maior número de transformações tecnológicas a curto, médio e longo prazo.
Roteiros disponíveis no site
A consolidação e comunicação dos principais resultados obtidos com os Mapas das Rotas Tecnológicas de Álcoois e Ácidos já estão disponíveis no site do Observatório de Tendências de Biocombustíveis e Bioprodutos.
“Entre 2018 e 2020, a equipe do Setor de Prospecção e Avaliação Tecnológica (SPAT) realizou um trabalho pioneiro na Embrapa, combinando diferentes métodos prospectivos em inteligência estratégica, em prol da identificação dos caminhos científicos e tecnológicos dos ácidos carboxílicos e bioálcoois . Os resultados desses trabalhos passarão a ser disponibilizados ao público externo por meio de um novo site interativo, em formato que permite a integração gráfica dos componentes de mercado, produto e tecnologia dentro do escopo temporal definido”, explica Alexandre Alonso, Gerente Geral da Embrapa Agroenergia.
Com o auxílio das áreas de Comunicação e Tecnologia da Informação da Embrapa Agroenergia, o designer gráfico Leandro Lôbo construiu o novo site com painéis visuais interativos e infográficos contendo os principais resultados dos estudos prospectivos gerados para a inteligência estratégica da Unidade.
“Acreditamos que o novo formato facilitará a navegação do público e o acesso das empresas e demais interessados a todas as informações disponibilizadas pelo estudo”, destaca Lôbo. A página traz ainda uma relação das principais publicações científicas da Embrapa Agroenergia, inclusive sobre ácidos e álcoois.
O trabalho de prospecção realizado pela OTBB contribui para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) números 7 e 9, que visam garantir a todos o acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável (por meio de biocombustíveis), bem como promover e industrialização sustentável.
Os 17 ODS foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 e compõem uma agenda global para a construção e implementação de políticas públicas que visam orientar a humanidade até 2030. Essas ações contam com o apoio da Embrapa para serem alcançadas.
Um mapa para o biogás
A equipe do Observatório de Tendências de Biocombustíveis e Bioprodutos da Embrapa Agroenergia já está mapeando a situação da produção de biogás no Brasil. Estão sendo realizadas entrevistas com especialistas do setor público e privado, professores, pesquisadores e gestores que atuam em pesquisa, desenvolvimento ou produção de biogás no território brasileiro.
Segundo Braga, que também coordena o trabalho, “o objetivo é identificar gargalos e oportunidades para os quais a Embrapa pode contribuir, com vistas a ampliar e disseminar o uso da biodigestão no território brasileiro, principalmente no sentido de agregar valor aos resíduos . ou coprodutos da agroindústria/agricultura e resíduos urbanos/domésticos”.
Até agora, cerca de 30 profissionais foram entrevistados. A conclusão do levantamento está prevista para dezembro de 2022 e, em 2023, os dados serão consolidados e priorizados para a construção de um roteiro tecnológico com o tema biogás.