Interdependência comercial entre Brasil e China, de Décio Luiz Gazzoni

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Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Científico do Agro Sustentável

A China tem 20% da população mundial, mas apenas 7% das terras aráveis, segundo a FAO. Em 2000, a China era autossuficiente em alimentos; já em 2020 o índice de autossuficiência era de 77%, com projeção de cair para 65% em 2035. Embora a preocupação já existisse, foi durante a “guerra tarifária” entre EUA e China (2019), agravada pela Covid -19 pandemia. 19, que os alimentos assumiram maior importância para os líderes chineses.

Compreensivelmente, nenhum país se sente confortável dependendo política ou comercialmente de outros. Isso vale para energia, remédios ou alimentos. A China não é diferente, está incomodada com a alta dependência da soja brasileira. Mutatis mutandis, a alta dependência das exportações agrícolas brasileiras para a China não é confortável. Entendemos que é fundamental que o Brasil diversifique em três frentes: a) exportando para mais países; b) exportar mais produtos; c) agregar valor e abrir novos mercados.

As preocupações do governo chinês com a segurança alimentar têm alguns fatores subjacentes, nomeadamente: a) a China pode nunca mais voltar a ser autossuficiente em alimentos, pelo contrário, tem vindo a perder competitividade; b) crescem as dificuldades políticas e culturais de comprar terras em outros países para manter um canal exclusivo de exportação; c) o dinamismo das alianças políticas e comerciais é um cenário difícil de prever a médio prazo; d) as mudanças climáticas globais estão se intensificando, o que pode deprimir a produção agrícola e elevar os preços.

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Tendo em conta estas tendências que moldam o futuro, o governo chinês está a preparar um conjunto de políticas e ações públicas para garantir o abastecimento alimentar da população chinesa. Uma das políticas – já implementadas – é a redução do desperdício. Este é um problema mundial, estima-se que um terço dos alimentos seja desperdiçado da fazenda à mesa, e não deve ter sido muito diferente na China. O presidente Xi Jinping estava pessoalmente envolvido em pedir o mínimo de desperdício. A capacidade de armazenamento da China é de 910 Mt e, em 2019, foram estimadas perdas de 35Mt apenas durante o armazenamento.

Políticas públicas

Embora a soja seja originária da China, o país importa mais de 80% da soja que consome. E o arco de fornecedores é estreito. Devido à redução de 16% na produção chinesa (2021), seu governo estuda um pacote de incentivos ao aumento da produção de soja, que inclui subsídios financeiros, incentivos à conversão de áreas de arroz em soja, consórcios soja-milho e a incorporação de empresas marginais áreas. Para isso, investirá em um ousado programa de P&D para desenvolver genética adaptada, utilizando a biotecnologia. Uma nova legislação regulamentando os OGMs está sendo considerada, embora pouco se saiba sobre seus detalhes além de ser mais favorável ao desenvolvimento e uso de OGMs.

O avanço nas áreas marginais ocorre pela ocupação progressiva de áreas férteis para urbanização acelerada e avanço da infraestrutura viária e industrial. Áreas menos férteis implicam maiores custos de produção. A mera substituição de uma cultura por outra pode induzir novos desequilíbrios, não sendo uma solução permanente. Acrescenta-se que a mudança climática reduzirá ainda mais a área disponível, ao mesmo tempo em que aumentará os riscos de quebra de safra.

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Em consonância com o exposto, o desenvolvimento de novas variedades, cultivares ou híbridos é visto como essencial, o que significa a organização de toda a cadeia que garanta não só a criação de novos genótipos, mas seu rápido acesso pelos agricultores. Também haverá fácil acesso a material genético do exterior, que se adapta às suas condições.

Mas o problema vai além da soja. Em 2021 houve um aumento de 18% nas importações de grãos pela China, atingindo um total de 165 Mt. Os chineses estão muito preocupados com o fato de o mercado internacional de alimentos ser dominado pelo chamado ABCD (ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus). A China estuda fórmulas para influenciar decisivamente o mercado, criando mecanismos que lhe dêem controle sobre suas importações, principalmente carne, leite, soja e milho.

garantia de abastecimento

O Brasil deve ficar atento ao entendimento dos líderes chineses de que a diversificação de fornecedores é o cerne da questão da política de segurança alimentar da China. Nesta perspectiva, as alianças políticas terão uma forte componente comercial. Os laços mais estreitos entre a China e a Rússia vão nessa direção, com a Rússia sendo potencialmente um grande fornecedor de alimentos. Se a China será prejudicada pelas mudanças climáticas, espera-se o contrário para a Rússia, com possibilidade de aumentar a área e a janela para cultivo.

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Além disso, outros países vizinhos da China poderão compor o arco dos exportadores, devendo-se atentar para a inclusão da Ucrânia do pós-guerra nesta análise. A proximidade geográfica sinergiza o relacionamento comercial, além de reduzir os custos de frete. Considere, também, que a China já tem programas agressivos de produção de alimentos na África subsaariana, um dos elementos de seu tabuleiro de xadrez de segurança alimentar, e pretende expandi-lo.

A China atua de forma estratégica e holística para resolver seu problema de segurança alimentar. O Brasil é apenas parte da solução. Como tal, devemos envidar esforços para continuar a ser protagonistas no mercado alimentar internacional face a estas mudanças, para consolidar a solidez do seu agronegócio, tendo como lema a diversificação de produtos e mercados.



Fonte: Noticias Agricolas

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