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Agricultores plantam árvores para cultivar pimenta-do-reino

    Agricultores plantam arvores para cultivar pimenta do reino

    Originária da América Central, a leguminosa arbórea Gliricidia (Gliricidia sepium L.) cresce rapidamente e tem se mostrado um excelente suporte (tutor vivo) da pimenta-do-reino em um sistema sustentável desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA). A utilização da gliricídia como tutora viva da pimenta-do-reino, em substituição às estacas de madeira, evita o corte de árvores florestais, melhora a produtividade da pimenta e reduz custos ao produtor. A prática, que reduz drasticamente o impacto ambiental da atividade, ganha cada vez mais adeptos no estado do Pará, segundo maior produtor de pimenta-do-reino do país.

    Os especialistas registraram uma redução de 28% nos custos do produtor com o novo sistema, quando comparado ao tradicional com estacas de madeira. “Além disso, o manejo desta planta proporciona o aumento do teor de matéria orgânica no solo e a diversificação de microorganismos, a fixação de nitrogênio do ar e a consequente redução do uso de fertilizantes nitrogenados e o favorecimento de um microclima no plantações de pimenta”, enfatiza o analista da Embrapa João Paulo Both. Esse conjunto de vantagens faz com que a pimenteira no tutor vivo da gliricídia tenha maior longevidade e tempo de produção em relação ao sistema tradicional.

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    Foco na sustentabilidade

    No sistema tradicional de cultivo da pimenta-do-reino, a estaca é obtida dos troncos das árvores. “Para montar um hectare de pimenta-do-reino é preciso cortar de 25 a 30 pés para produzir tutores da pimenta”, diz o pesquisador da Embrapa Oriel Lemos. O impacto ambiental da atividade, a escassez e o alto preço da madeira foram motivações importantes para que as pesquisas buscassem uma alternativa, segundo o cientista.

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    As pesquisas com tutores presenciais começaram na década de 1990 no estado do Pará em parceria com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). “Todo o sistema de produção de pimenta naquela época era em estacas mortas obtidas de madeiras nobres extraídas da floresta amazônica. Essa era a nossa maior preocupação”, lembra Lemos.

    Ele conta que várias espécies foram testadas e a gliricídia se destacou pelo rápido crescimento e menor competição com a pimenta-do-reino. Desde então, os cientistas vêm aprimorando o sistema de produção de pimenta-do-reino com foco na sustentabilidade ambiental e econômica da atividade.

    Redução de custos para o produtor

    A aquisição de estacas de madeira, as chamadas estacas mortas, é o item que mais pesa no bolso do agricultor. “A estaca de madeira aqui na região custa de 25 a 30 reais, enquanto a de gliricídia não passa de 5 reais”, diz o pipericultor (produtor de pimenta) Osvaldo Donizete, do município de Capitão Poço, no nordeste do estado de Pára. É nesse município que se encontra o maior número de pimenteiras de todo o estado.

    O estudo de impacto econômico da tecnologia, realizado em 2022, calculou os custos de implantação e manutenção por três anos dos sistemas tradicionais e sustentáveis. Um hectare de pimenta com miolo morto (sistema tradicional) custa ao produtor, em média, 58.251 reais. Já com a tecnologia live tutor (sistema sustentável) esse mesmo hectare custa 41.715 reais. Isso representa uma redução de 16.535 reais, o que equivale a 28% de economia para o produtor em cada hectare de pimenta.

    “O impacto econômico é sentido imediatamente na redução de custos para o produtor, e considera todos os componentes, como mão de obra empregada, preparo da área, insumos (estacas, adubos), mudas de pimenta-do-reino, manejo do plantio e outros”, explica economista da Embrapa Aldecy Moraes.

    “Para o produtor, a questão econômica é importante, até porque a pimenta-do-reino é produzida principalmente pela agricultura familiar do Pará”, acrescenta o economista.

    Ampliação de áreas com o tutor ao vivo

    A avaliação de impacto também mostrou que, em 2022, houve um aumento de 83% na área plantada com mudas vivas em plantações de pimenta no Pará, em relação a 2021. O trabalho estima que o estado tenha cerca de 300 hectares de pimenta em gliricídia e a O município de Capitão Poço no Pará se destaca nessa expansão. Um exemplo disso é a expansão da fazenda de pimenta Osvaldo Donizete, conhecida na região como “Penela Tica”. Começou a plantar pimenta-do-reino com o pai na década de 1970 e atualmente cultiva cerca de 50.000 pés de pimenta-do-reino no tutor de gliricídia viva. O primeiro contato com a tecnologia foi em 2011 por meio da Embrapa. Desde então, o agricultor aposta no sistema sustentável e, anualmente, vem substituindo as estacas de madeira pela estaca viva.

    “Hoje a maior parte da minha produção já está no tutor ao vivo. Só no ano passado plantei 20.000 pés de pimenta em gliricídia. Além do preço, que é o primeiro ponto positivo, há muita diferença na planta, ela fica mais vigorosa e produz muito bem. Na estaca morta, a pimenta de quatro ou cinco anos já está morrendo. No tutor vivo, a pimenta de oito anos está bem formada e produzindo bastante”, conta o agricultor.

    “Os agricultores da região acreditam nessa tecnologia e estimamos que existam cerca de 300 mil pés de pimenta em gliricídia no município de Capitão Poço”, afirma o agrônomo Augusto Rodrigues dos Santos, extensionista da Companhia de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará ( Emater -Para).

    O extensionista acredita que a escassez de madeira, o preço para aquisição das estacas e a questão ambiental são os fatores que levam os agricultores a optarem pela estaca viva. “Quem usa essa tecnologia não está derrubando árvores, mas plantando”, afirma. Outra vantagem destacada pelo técnico é a possibilidade de multiplicação das mudas de gliricídia pelo próprio agricultor. “Ele pode fazer um campo de multiplicação de gliricídia para expandir sua plantação de pimenta e também vender para outros produtores”, conclui.

    Plantas vigorosas e produtivas

    Especialistas dizem que pouco se sabe sobre o comportamento da pimenta-do-reino em um tutor de gliricídia vivo. Porém, um dos trabalhos científicos mais recentes sobre o assunto, realizado no estado do Pará, mostrou a influência que o tipo de tutor exerce sobre a planta.

    A pesquisa avaliou o comportamento das cinco variedades de pimenta-do-reino mais utilizadas no campo, tanto no sistema sustentável quanto no tradicional. As cultivares Bragantina, Singapore, Kuthiravally, Uthirankotta (foto à direita) e cv. A Embrapa/Clonada apresentou respostas diferenciadas para crescimento vegetal e produção de grãos em relação ao tipo de tutor utilizado no sistema.

    O uso do tutor vivo foi positivo para a altura da planta – uma das variáveis ​​de crescimento – para quatro das cinco cultivares. A cultivar Bragantina, desenvolvida pela Embrapa e amplamente utilizada no país, apresentou maior comprimento e peso de espigas quando cultivada em gliricídia (sistema sustentável).

    O número de frutos por espiga também obteve resultado positivo em quatro das cinco variedades analisadas. No tutor presencial a média de frutos por espiga foi de 77; no tutor morto eram 70 frutos por espiga. E, mais uma vez, a Bragantina saiu na frente com quase 86 frutos por espiga no sistema sustentável.

    “A cultivar Bragantina é um material genético amplamente utilizado em lavouras no Pará e, principalmente, no Espírito Santo; e tanto o crescimento vegetal quanto a produção de grãos têm apresentado melhor desempenho no tutor vivo de gliricídia na região nordeste do Pará”, explica Both.

    solos mais férteis

    Experimentos mostram que a gliricídia melhora a fertilidade do solo e atua na fixação de nitrogênio. “Esse elemento é um dos nutrientes mais exigidos pela pimenta-do-reino, sendo a gliricídia uma leguminosa capaz de realizar a fixação biológica de nitrogênio. Então, vimos que há uma resposta positiva em relação à produção de pimenta verde”, diz Both.

    Ele explica que a gliricídia produz rapidamente uma grande quantidade de folhas, que acumulam nutrientes. E o manejo dessa planta em plantações de pimenta envolve poda de condução e poda drástica. “A cada quatro meses, cerca de 50 quilos de biomassa podem ser colhidos por planta adulta. Esse material picado e colocado no solo se decompõe em 16 dias, liberando nutrientes para o solo”, explica Both.

    A adubação verde, segundo o especialista, é um importante ganho adicional dessa tecnologia. Ajuda a reter a umidade, reduz a incidência de plantas invasoras, estimula a presença de organismos no solo, que melhoram a aeração e transformam a matéria orgânica em adubo mineral.

    futuro da pesquisa

    Novos estudos já indicam que o tutor vivo também melhora a qualidade e a densidade dos grãos de pimenta-do-reino. “Estamos avaliando alguns indicadores físicos e químicos da qualidade do grão e já temos resultados preliminares de que, em algumas variedades de pimenta, o uso do tutor vivo influencia na quantidade de substâncias químicas importantes, como a piperina e o óleo essencial” , anuncia o especialista.

    A piperina é um alcaloide e o principal composto bioativo natural da pimenta preta. Esta substância tem propriedades terapêuticas conhecidas pela ciência. O óleo essencial de pimenta é o que dá sabor ao tempero. É composto por diferentes moléculas e possui propriedades farmacológicas, sendo um produto promissor para remédios naturais.

    O trabalho é realizado na área da empresa Tropoc, uma das maiores exportadoras de pimenta-do-reino do Brasil, localizada no município de Castanhal (PA), e já indica que a pimenta em gliricídia possui melhores características aromáticas e nutricionais . “Os resultados podem agregar valor à pimenta produzida no Brasil com a produção de blends, por exemplo”, analisa.

    Para o empresário André Kisch, da empresa alemã de ervas e especiarias Fuchs, esses resultados fortalecem ainda mais a pimenta-do-reino produzida no Brasil. “O diferencial da produção brasileira em relação a outros países é a ausência de resíduos químicos nos grãos. Praticamente 90% da pimenta-do-reino brasileira não contém resíduos de agrotóxicos e os que possuem estão bem abaixo dos limites legais estabelecidos pelos mercados mais exigentes”, relata o industrial. Isso, segundo ele, é resultado do esforço e parceria de pesquisa, extensão, empresas e produtores brasileiros.



    Fonte: Agro