Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) – A divulgação, ainda sem entrar em detalhes técnicos, de uma proposta de arcabouço fiscal que permite aumentos reais nos gastos do governo e busca uma melhora significativa na situação das contas públicas por meio do aumento da arrecadação de impostos tem gerado dúvidas entre os economistas sobre a eficácia da norma que será enviada ao Congresso.
Especialistas em orçamentos públicos ouvidos pela Reuters levantaram dúvidas sobre possíveis fragilidades da regra, pontos ainda em aberto e a possível dificuldade que o governo terá para cumprir seus próprios objetivos.
O economista da ASA Investimentos e ex-secretário da Fazenda, Jeferson Bittencourt, disse que a proposta tem pontos positivos, como manter quase todos os gastos públicos dentro da regra e a utilização de receitas já realizadas para autorizar gastos, evitando que as contas sejam superestimadas para liberar artificialmente mais despesas.
Por outro lado, na avaliação do ex-secretário, há pontos preocupantes na proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo ele, a busca por uma melhora nas contas públicas não está mais voltada para limitar os gastos, como na regra do teto, e passa para o lado da receita.
“A literatura é vasta ao dizer que os ajustes fiscais do lado da receita tendem a ter um impacto negativo muito maior no crescimento econômico do que os ajustes que vêm por meio de cortes de gastos”, disse ele.
Segundo ele, o mecanismo proposto ainda gera uma “perda de potência” no ajuste. Isso porque a medida define que do crescimento total da receita líquida, 70% podem ser destinados a novas despesas – apenas 30% se transformariam em poupança para reduzir a dívida pública.
Mesmo com a certeza de que as despesas vão subir acima da inflação com a nova regra, há risco de compressão de gastos, já que algumas áreas têm taxas de crescimento rígidas, como benefícios previdenciários e salários, ou estão atreladas a maiores receitas, como saúde e educação e emendas parlamentares.
“A regra pode causar constrangimento já no primeiro ano de vigência. Se aplicado o crescimento real da receita líquida em 12 meses até junho deste ano, a tendência é que em 2024 a despesa já cresça na parte inferior da banda, de 0,6%. Esse crescimento pode ser todo consumido pela correção de despesas que já estão pré-estabelecidas”, afirmou.
INCONSISTÊNCIA
Um dos responsáveis pela formulação do teto de gastos, o economista Marcos Mendes disse que a proposta de melhora fiscal não será capaz de estabilizar a dívida pública e coloca a queda dos juros no país, algo sem gestão direta do governo, como determinante para uma melhoria do endividamento.
Pela projeção do economista, mesmo os resultados sugeridos por Haddad — partindo de uma defasagem de 0,5% do PIB em 2023 e chegando a um superávit de 1% em 2026 — dificilmente serão cumpridos.
“Esses excedentes são incompatíveis com a regra. Se você pegar a trajetória esperada da receita e descontar qual será a despesa na nova regra, o resultado primário fica bem abaixo do proposto”, afirmou.
O economista estima que a gestão de Haddad não conseguirá cumprir a meta já em 2024, obrigando o governo a reduzir o ritmo de crescimento dos gastos em 2025 de 70% para 50% do aumento das receitas –o que para ele também é um ajuste para baixo intensidade.
Em sua avaliação, o fundo das faixas das metas fiscais só seria atingido se Haddad conseguisse captar R$ 150 bilhões imediatamente com o novo pacote de ajuste fiscal a ser anunciado, além de obter uma trajetória de ganhos anuais sucessivos de 5% acima a inflação da arrecadação, que é “bastante desafiadora”.
“A leitura é que eles montaram um modelo para tributar mais e gastar mais. O problema é que a carga tributária já é muito alta e distorcedora, o que tende a prejudicar o crescimento”, disse, expressando preocupação de que a necessidade de aumentar a arrecadação repercute nas negociações da reforma tributária.
A diretora do IFI (Instituição Fiscal Independente), Vilma Pinto, disse que o mecanismo que garante o crescimento das despesas abaixo da receita parece bom, mas há dúvidas que ainda precisam ser respondidas até a apresentação formal do texto ao Congresso, marcada para semana que vem. .
Entre as preocupações está a permissão de usar receitas não recorrentes para aumentar as despesas correntes, já que, ao calcular a arrecadação do ano, a proposta não define separação de receitas extraordinárias.
Para ela, além do efeito puro e simples da regra de gastos prevista na proposta, também é preciso deixar claro qual será o pacote de medidas adicionais de ajuste para o governo atingir o objetivo proposto.
“Também vale ressaltar que, apesar da importância de retomar os investimentos, olhando apenas o novo piso para essa área, em tese, isso aumentaria a rigidez de gastos”, afirmou.
Mesmo com a certeza de aumento real de gastos e incentivos a investimentos, a proposta não foi 100% bem recebida pelos aliados de Lula. Para o professor de economia da Unicamp Pedro Rossi, que colaborou com a campanha do PT, a medida tem “evidentes avanços” em relação ao teto de gastos, mas apresenta uma série de falhas.
O economista afirmou em suas redes sociais que a regra permite baixo crescimento dos gastos em relação aos governos anteriores, estimando ainda que o teto de aumento anual de 2,5% nas despesas não será atingido no atual governo Lula.
Para ele, a faixa de tolerância para cumprimento da meta fiscal é um avanço, mas pode ser mais larga para acomodar choques. Além disso, Rossi afirma que a norma deve gerar compressão de gastos dentro dos limites estabelecidos, deixando pouco espaço para expansão dos investimentos, o que obrigará o governo a cortar despesas mesmo em tempos de fartura.
“A prioridade dada ao resultado fiscal e à estabilidade da dívida pode custar caro. O risco é que a regra represente mais um freio à economia (além do monetário) e aumente a chance da extrema direita voltar em quatro anos”, afirmou na publicação.