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Fim da vacinação contra a febre aftosa vai criar caos na pecuária, diz produtor (vídeo)

    Fim da vacinacao contra a febre aftosa vai criar caos

    Da redação //AGROemDIA

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    Um cenário caótico se descortina no horizonte da pecuária brasileira com a retirada total da vacinação contra a febre aftosa até 2026, visando obter o reconhecimento internacional do país como livre da doença sem imunização. É o que prevê o pecuarista Elói Gonçalves Júnior, dono de fazendas em São Paulo e Mato Grosso. Produtor rural há 40 anos, ele considera um grande risco para o Brasil seguir o cronograma do programa de suspensão de vacinas enquanto toda a América do Sul não estiver nas mesmas condições sanitárias.

    “Eles querem criar o caos [na pecuária e no setor de carne bovina]disse Eloi para AGROemDIA. O pecuarista defende mudanças no cronograma do Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa (PNEFA) e manutenção da vacinação. “Vão colocar em risco o Brasil inteiro, não só o gado”, alerta, repetindo o que havia dito em vídeo (acima) divulgado em grupos de Whatsapp. Para ele, o ministro da Agricultura, Marcos Montes, e o secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Francisco Matturro, precisam tomar uma “atitude” em relação ao assunto.

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    Segundo o produtor e também dono de uma revenda de insumos no interior de São Paulo, alguns problemas estão surgindo antes mesmo da retirada total da vacinação. Como exemplo, ele cita o novenaque proíbe fazendas do Sul, Centro-Oeste e Sudeste de exportar carne para a Comunidade Européia por 90 dias se comprarem gado das regiões Norte e Nordeste, e a falta de informação sobre o tamanho dos rebanhos.

    Na avaliação do pecuarista, o Brasil colocará em risco a saúde animal e a economia com o fim da vacinação, mas não ampliará substancialmente sua participação no comércio global de carne bovina. “O mercado que será aberto, quando estivermos 100% livres de vacinas, não representa 2% do nosso mercado. É apenas Japão e Coreia do Sul [que importam carne apenas de países livres de aftosa sem imunização]. O resto está comprando.”

    “Tudo isso foi forçado pelos suinocultores a exportar melhor [a carne suína]. É cada um vendo a sua praça”, enfatiza o produtor rural. Ele observa ainda que os estados que retiraram a vacinação não possuem a carne mais valorizada do país. O melhor preço, sublinha, é o de São Paulo, que continua a vacinar.

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista do agricultor:

    AGROemDIA: A preocupação com a retirada da vacinação contra a febre aftosa ganhou força apenas com o recente surto da doença na Indonésia ou é anterior?

    Eloi Gonçalves Junior: Não. No início deste ano, iniciou-se uma discussão mais acirrada sobre a febre aftosa em todo o território nacional. Sou produtor rural, tenho gado PO, gado de engorda em propriedades no interior do estado de São Paulo e no Alto Araguaia, no Mato Grosso. Em janeiro me colocaram nas câmaras pecuárias da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo e do Ministério da Agricultura, mas as coisas estão muito complicadas e temos alguns problemas sérios na pecuária.

    AGROemDIA: Você já enfrentou casos da doença em suas propriedades?

    Elói: Eu tenho lidado com a febre aftosa por 40 anos. Já tive gado leiteiro, mais de 30 vacas minhas contraíram febre aftosa e eu precisava me curar. Então comecei a vender vacinas contra a febre aftosa. Então, me envolvi com o assunto e conheci todas as fábricas de vacinas. Quando mudaram a vacina contra a febre aftosa para oleosa, fui estudar. Quando as fábricas mudaram de comum para biossegurança, eu participei. No último caso da doença no estado de São Paulo, um cliente sentou na frente da minha mesa e disse: “olha, eu tenho duas panturrilhas com a boca e os cascos estourados e estão babando”. Eu respondi: É aftosa. Ele saiu e foi para a defesa agrícola. Então, eles divulgaram um relatório dizendo que era aftosa. Imediatamente, eles bloquearam as exportações de frango em um raio de 50 quilômetros [da propriedade com foco]. A Abacitrus, que era a terceira maior indústria de suco de laranja do país, também teve suas exportações bloqueadas. Ele se transformou em um pandarecos. Porque? Porque o vírus da febre aftosa é realmente um problema.

    Eles vão colocar todo o Brasil em risco, não apenas o gado”.

    AGROemDIA: Você está seguindo o programa de retirada de vacinação?

    Elói: Participei da questão da retirada da vacina do Bloco 1 [SC, PR, RS, AC, RO e partes do AM e de MT] e agora Bloco IV. Eles estão criando um problema sério, mas o gado ainda não acordou. O bloco 4 é BA, SE, RJ, SP, MG, GO, MT, TO, MS, ES e DF. São Paulo não fez o dever de casa. Cada estado está realizando seu projeto, mas é exigido, o Ministério da Agricultura, que tenha um fundo de caixa. Eles querem um fundo de 200, 300 milhões de reais. E quem quer gerenciá-lo? Em São Paulo é a Faesp. Pelo amor de Deus! Estamos cansados ​​de ver a Faesp, com esses sindicatos, só fazendo política. Nunca fez nada pelo estado. Agora eles querem o dinheiro. Sou contra, estou convencendo pecuaristas e frigoríficos a entrar no jogo. Não podemos colocar esse dinheiro na Faesp. Isso não está certo. Então estamos lutando.

    AGROemDIA: Você também é contra a retirada da vacinação?

    Elói: Sou contra desde o início, porque acompanhei a produção de vacinas e os casos de febre aftosa durante toda a minha vida. Hoje, os laboratórios reduziram a vacina para 2 miligramas, eram 5 miligramas. Eles removeram o adjuvante que acendeu. As inflamações sumiram. Não há mais reclamações. Existe uma vacina e estamos seguros. O mercado que vai abrir, quando estivermos 100% livres de vacinas, não representa 2% do nosso mercado. É apenas o Japão e a Coreia do Sul. O resto está comprando, a Europa, todo mundo está comprando.

    AGROemDIA: No vídeo que circula nos grupos de WhatsApp, você menciona a novena como um problema. O que são os anos noventa?

    Elói: Sim, temos o problema da novena. Em 2005, a Comunidade Européia não queria importar [carne] Norte e Nordeste, por causa das taxas de vacinação. Na época, São Paulo e Mato Grosso tinham percentuais de 94%, 95% [de imunização do rebanho]. Nos estados do Nordeste foi próximo a 70%. Ali, a Comunidade Européia começou a pressionar o Brasil a criar uma forma de não importar carnes do Norte e Nordeste, mas apenas dos estados do Sul e Sudeste, que faziam parte da cota Hilton. [por meio da qual a União Europeia importa um determinado volume de cortes bovinos de alta qualidade, provenientes de países credenciados]. Então eles fizeram uma linha divisória. Do Rio de Janeiro para cima, considerando o Nordeste, e do Tocantins para cima, considerando o Norte. E o gado dessas áreas não podia ir para a Europa. E dois artesanatos foram feitos [sobre a exigência europeia]em 2005 e 2009. Não havia lei, nada era feito.

    AGROemDIA: Mas qual é o problema que a novena está causando?

    Elói: Agora, em Uberaba, as pessoas acordaram. O presidente da ABCZ, o [Rivaldo Machado] Borges [Júnior], me ligou, porque se tornou um problema. Porque? Se eu comprar uma cabeça de gado desta área [Norte/Nordeste] e eu trago para minha fazenda aqui em São Paulo, está interditado por 90 dias. Ou seja, não posso vender carne para a Europa por 90 dias. Aí aconteceu a Expozebu, em Uberaba, e era gado da Bahia, Alagoas, Amazonas, etc. e contaminou documentos do mundo todo, do Brasil inteiro. O que aconteceu? Se alguém naquela propriedade vendeu um bezerro para o vizinho, ele também contaminou os documentos do vizinho. O Ministério da Agricultura já deveria ter cancelado esses escritórios [porque hoje os índices de cobertura vacinal das duas regiões superam, na média, 90%], mas não cancelou. Estou brigando com o ministério também por causa disso.

    AGROemDIA: Todas essas questões se tornaram mais preocupantes com o foco na Indonésia?

    Elói: Os casos de febre aftosa são muito graves. O que está acontecendo na Indonésia é um exemplo claro. Eles não vacinaram por um tempo. Estava tudo bem. Chega um surto e eles não têm vacinas. O último surto no Brasil foi em Japorã e Eldorado, no Mato Grosso do Sul. Como todo o estado foi vacinado, tivemos uma vacina. Depois, cercaram tudo, mataram as cabeças que estavam contaminadas, vacinaram ao redor e bloquearam o surto. Se não houver vacinação, não há vacina e o vírus se espalha. Para produzir uma vacina contra a febre aftosa, eles pegam um reagente e começam a fabricá-lo hoje, mas só estará pronto em oito meses. Então, não faz sentido ter um banco de cepas de vírus. Você tem que ter 200 milhões de doses armazenadas. Venceu, mandou incinerar e produziu mais 200 milhões de doses. Se houver um surto, você vacina todo o rebanho. Você acha que eles vão fazer isso? Não, eles não.

    Tudo isso foi forçado pelos suinocultores a exportar melhor”

    AGROemDIA: São Paulo não vai retirar a vacinação este ano, como outros estados do Bloco IV. Isso pode causar problemas no trânsito de animais de outros estados para SP?

    Elói: São Paulo não atendeu às exigências do Ministério da Agricultura. São Paulo continuará vacinando. Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas, Goiás vão retirar a vacina. Mas o gado e a carne desses estados não poderão passar pelo estado de São Paulo para ir ao Porto de Santos. Como eles vão exportar? Olha a loucura que eles estão fazendo. Estão complicando a situação desnecessariamente. Por causa do vídeo que fiz, já recebi mais de uma centena de mensagens de grandes pecuaristas. Todo mundo dizendo que não precisa parar de vacinar agora. É preciso esperar que toda a América do Sul esteja livre da febre aftosa. O produtor não vai salvar nada. É um real, dois reais a dose da vacina.

    AGROemDIA: Os problemas que você aponta param por aí?

    Elói: Não. A vacina também tem um lado social. Quando você lida com fazendas de tecnologia, grandes empresas, veterinários e tudo mais, é simples. Os caras fazem tudo dentro das regras. Agora, neste mundo onde esse pequeno produtor está preso, ele só movimenta o gado em maio e novembro, quando é obrigado a aplicar a vacina contra a febre aftosa. Então, ele fecha e também aplica as vacinas de antraz, vacinas de brucelose e dá um vermífugo. Ou seja, ele faz a sanidade do rebanho e informa quantas cabeças de gado tem para o órgão responsável. O que aconteceu no Paraná? O Paraná só conseguiu responder por 44% do rebanho neste ano. Porque? Porque não há mais informações. Agora o governo quer multar os produtores que não fizerem a declaração voluntária. Antes era forçado por causa da vacina [contra aftosa]. Como não existe mais, o estado nem sabe quantas cabeças de gado tem. E o que está acontecendo? Há lojas e vendedores que vão para o campo dizendo: não estão vacinando contra a brucelose nem contra o antraz, existe uma zona. A vacina contra a febre aftosa tinha esse lado social. As pessoas estavam acostumadas com isso. Foi criada uma cultura de vacinação contra a febre aftosa e tratamento do animal. O risco [de parar de vacinar] É muito grande. Se estou exportando gado vivo por Santos e um animal infectado com a doença aparece no meio do carregamento, é obrigado a parar todo o porto. Todo e qualquer tipo de importação e exportação. Para tudo.

    AGROemDIA: Por isso defende mudanças no PNEFA?

    Elói: O PNEFA foi criado lá atrás para erradicar a febre aftosa. Maravilhoso. Com o tempo, em 2015, dentro do PNEFA, dentro do Ministério da Agricultura, surgiu a meta de erradicar a febre aftosa sem vacinação. Então todos esses estudos começaram. [para suspender a vacinação]. Santa Catarina parou primeiro. Mas tudo isso foi forçado pelos suinocultores a exportar melhor. É todo mundo vendo seu próprio quadrado. Somos a favor de parar o PNEFA, repensar as datas, dar um prazo maior. Agora, o Ministério da Agricultura tem que entrar na discussão, porque se pesquisar entre os produtores – não diante dos órgãos de classe dos produtores, que não representam os produtores, eles representam seus interesses – eles vão ver que tem muita gente que acham que não precisam parar de vacinar.

    Leia mais sobre isso aqui e aqui.

    Fonte: Agro