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Contribuição da cana-de-açúcar para a segurança energética e mitigação de…

Ao mesmo tempo que, da imperiosa necessidade de segurança energética, decorre a importância de a matriz energética ter diversas fontes, o planeta exige com urgência a substituição das fontes de energia fóssil por renováveis, a fim de mitigar as mudanças climáticas que, aliás, levaram a um aumento na frequência de eventos extremos, como secas severas, que, entre outras coisas, causam crises de energia. Nesse contexto, facilmente se percebe o imenso valor de aproveitar todas as oportunidades para aumentar a disponibilidade de energia renovável. Energia solar, energia eólica, bioeletricidade (a eletricidade produzida pela queima de biomassa), biocombustíveis (combustíveis veiculares também são commodities energéticas!), enfim, toda forma de energia renovável é bem-vinda e nenhuma oportunidade de aumentar sua disponibilidade, econômica, social e maneira ambientalmente sustentável.

No sistema elétrico brasileiro, as termelétricas movidas a combustíveis fósseis (gás natural, petróleo e carvão mineral) podem até ser desligadas em momentos em que a demanda é adequadamente suprida por outras fontes. Tendo isso em mente, deve-se notar que a energia termelétrica de combustível fóssil é de longe a fonte de energia mais cara. Portanto, o aumento da produção de energia renovável resulta em menor risco de crise energética, menor preço do kWh e, por fim, redução das emissões de gases de efeito estufa.

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A energia da cana-de-açúcar

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De toda a energia que a cana armazena em sua parte aérea, proveniente da fotossíntese, aproximadamente um terço encontra-se nos açúcares do caldo, um terço no bagaço (resíduo da extração do caldo, rico em celulose) e um terço na as folhas e copas (principais constituintes do resíduo da colheita conhecido como “palhiço”). Devido aos açúcares comerciais (mascavo, cristal, demerara, refinado etc.), o valor comercial da sacarose motivou a produção de cana-de-açúcar no Brasil desde 1532. Já o etanol, hoje conhecido como “primeira geração” (ou seja, produzido pela fermentação de açúcares do caldo), era tratado como subproduto antes da década de 1970, pois não é viável cristalizar 100% da sacarose no caldo, então a produção de etanol foi motivada, antes dos “choques do petróleo”, principalmente para aproveitar a sacarose residual no melaço, e também os açúcares glicose e frutose, presentes no suco em menor quantidade que a sacarose, que são fermentáveis, embora não sejam adequados para a produção de açúcares comerciais.

Desde o Proálcool, a importância comercial do etanol cresceu, inicialmente devido ao aumento do preço do petróleo, mas depois ficou mais clara a percepção da importância dos combustíveis renováveis ​​para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Dado o baixo valor nutricional do açúcar e o alto valor ambiental do etanol, atualmente, dentre os produtos extraídos do caldo da cana-de-açúcar, o etanol possui maior valor social e ambiental, embora o açúcar tenha um valor econômico bastante estratégico para a estabilidade do setor produtivo, como a diversidade de produtos comerciais mitiga os riscos decorrentes de flutuações e ciclos de mercado.

Já a energia do bagaço da cana-de-açúcar, até o final do século XX, era utilizada exclusivamente para as demandas energéticas dos próprios processos industriais. Hoje isso parece absurdo, mas naquela época não havia estruturas de mercado por meio das quais as usinas pudessem vender energia excedente. Após a crise energética de 2001, foram feitos esforços para melhorar a eficiência das caldeiras, permitindo que as usinas gerassem energia excedente e a vendessem (a chamada “cogeração”).

Por fim, chegamos à palha, resíduo da colheita com quase um terço da energia da cana. Quando a cana era colhida à mão, a palha tornava o trabalho dos cortadores tão insalubre, penoso e improdutivo que era preciso queimá-la para preparar a cana a ser colhida. Com o advento da colheita mecanizada, abandonou-se a prática da retirada da palha por meio do fogo, e a produção da cana-de-açúcar passou a contar com um novo resíduo da colheita, a palha, que é tão valiosa que é mais adequado chamá-la de subproduto do que de resíduo.

A palha da cana-de-açúcar tem valor agronômico quando deixada no solo, pois promove grandes melhorias no ambiente produtivo e, conseqüentemente, melhor produtividade, tanto de colmos (TCH) quanto de açúcares (TAH) por hectare, redução de erosão, perda de água por evaporação, aumento do teor de matéria orgânica do solo (o que aumenta a eficiência da fertilização), reciclagem de nutrientes (que a longo prazo reduz a necessidade de fertilizantes), melhoria da qualidade microbiológica do solo. Em algumas culturas agrícolas anuais, por exemplo no sistema de sucessão soja/milho safrinha, existem práticas agrícolas fortemente recomendadas, como o consórcio de milho com braquiária, para produção de palha, tal é o valor agronômico deste subproduto. Enquanto isso, a cana-de-açúcar tem o privilégio de produzir sozinha palha muito abundante, cerca de 140 kg de massa seca de palha para cada tonelada de colmos produzidos.

Assim, a palha deixada no campo é um valioso insumo agrícola, enquanto a palha recolhida, que carrega cerca de um terço da energia da parte aérea da cana, pode ser matéria-prima para a produção de etanol de segunda geração (produzido pela fermentação da glicose obtido pela hidrólise da celulose) e/ou para a produção de bioeletricidade. Ambas as formas de energia são renováveis ​​e constituem contribuições valiosas para a segurança energética e para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Nesse contexto, surgem questionamentos sobre as melhores práticas para otimizar o aproveitamento desse subproduto da cana-de-açúcar: quanta palha deixar no campo para garantir os benefícios agronômicos? Em que circunstâncias é preferível coletar a palha completamente, ou parcialmente, ou deixar toda a palha no campo? As perguntas parecem simples, mas as respostas dependem de vários fatores, como características do solo e do clima, incidência de doenças e pragas (já que a incidência de alguns patógenos e insetos é favorecida pela palha, enquanto a de outros é reduzida), em além dos inúmeros aspectos em que o manejo da palha influencia o ambiente produtivo, exigindo conhecimentos amplos e transdisciplinares para subsidiar as melhores decisões.

A partir de pesquisas realizadas em Embrapa Oeste Agropecuárioalgumas recomendações nesse sentido já foram publicadas, como as áreas preferenciais para coleta de palha de cana-de-açúcar para reduzir doenças (Aviso Técnico 264); a recomendação, nas condições edafoclimáticas do sul do MS, de se evitar a prática conhecida como “desaleiramento” ou “deseliamento” (Aviso Técnico 248) 7. E há outros extensos trabalhos em andamento nesta linha de pesquisa, estudando diversos impactos da palha no ambiente produtivo e na produtividade de colmos e cana-de-açúcar, visando o aprimoramento contínuo do conhecimento para subsidiar as melhores decisões, a fim de otimizar o uso do valioso insumo agrícola e matéria-prima energética conhecida como palha da cana-de-açúcar.



Fonte: Noticias Agricolas

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