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Artigo/Cepea: Com grande superávit, Brasil pode superar os EUA e se tornar o…

* Por Lucilio Alves, professor da Esalq/USP e pesquisador responsável pelas Equipes de Grãos, Fibras e Amidos do Cepea

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O Brasil pode exportar um volume de milho equivalente ao dos Estados Unidos na safra 2022/23, de 51 milhões de toneladas entre outubro de 2022 e setembro de 2023, segundo estimativa do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) divulgada em fevereiro. Este seria um fato inédito para o setor exportador nacional. No entanto, quais fatores favoreceriam esse resultado? Além disso, o aumento da exportação leva a uma falta de produto para a demanda interna?

Inicialmente, vale considerar que, em um país com transações internacionais irrestritas, os preços internos tendem a estar em linha com os parâmetros externos, para qualquer volume que venha a ser exportado ou importado. Quando há escassez do produto no país, ou seja, a demanda interna supera a oferta, os preços internos sobem até o valor da compra externa, mais os custos logísticos para internalizar e disponibilizar o produto no mercado interno, a chamada importação paridade, desde que em moeda nacional. Este tende a ser o maior nível de preços esperado para prevalecer no mercado doméstico.

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Por outro lado, em caso de sobras, os preços internos são pressionados a ponto de a venda do produto para o mercado internacional resultar em maior receita em moeda local. Os parâmetros costumam ser preços no porto, na base FOB (Free on Board). Este, por sua vez, é o preço mínimo esperado para o mercado interno, denominado paridade de exportação.

Assim, em geral, quando há necessidade de importar, os preços internos ficam próximos ao limite superior, dado pela paridade de importação (é o caso do trigo no mercado brasileiro). Quando há superávit, os preços domésticos oscilam mais perto do limite inferior, dado pela paridade de exportação (exemplos: soja, milho e algodão). Assim, parece desejável ter tecnologia e condições de escala que aumentem a eficiência e reduzam os custos ao produzir acima da demanda interna, gerando excedentes, de modo que os preços internos equivalentes aos preços externos sejam mais acessíveis a todos os demandantes. Além disso, a população nacional tende a se beneficiar ao adquirir o produto a preços competitivos internacionalmente.

No caso do milho, as exportações crescentes e as previsões de que esse cenário prevalecerá são resultado de um superávit interno esperado próximo a 55 milhões de toneladas nas safras 2021/22 e 2022/23, segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento ) obviamente levando em consideração a produção nacional projetada e os preços esperados no mercado internacional devidamente internalizados, com substancial importância da taxa de câmbio doméstica. Para a safra 2021/22 (produto colhido em 2022), a disponibilidade interna (estoque inicial + produção + importação) está estimada em 129,45 milhões de toneladas, com demanda interna em 74,56 milhões de toneladas. Assim, o volume restante está disponível para venda externa e deve ser embarcado até a chegada de uma nova safra.

Para a safra 2022/23 (safra em 2023), a estimativa é de disponibilidade interna ainda maior, de 134,43 milhões de toneladas, com demanda de 79,38 milhões de toneladas aos preços esperados no mercado internacional no período. Assim, caso as previsões se confirmem, novamente, pouco mais de 55 milhões de toneladas estarão à disposição dos compradores estrangeiros. Porém, como mais de 3/4 da produção nacional é proveniente do milho safrinha, ainda pairam incertezas sobre a disponibilidade efetiva, que estará disponível a partir do segundo semestre de 2023.

É diante desse grande superávit desde meados de 2022 que o USDA estima um novo avanço nas exportações brasileiras de cereais. E o Brasil pode até se posicionar como o maior exportador mundial na temporada 2022/23, conforme definido pelo USDA.

De outubro de 2022 a janeiro de 2023, os Estados Unidos exportaram 10,37 milhões de toneladas, enquanto o Brasil embarcou 25,1 milhões de toneladas. Porém, no acumulado de 12 meses (de 22/fevereiro a 23/janeiro), as exportações norte-americanas somaram 52,8 milhões de toneladas, contra 46,6 milhões do Brasil. Este é o maior volume já exportado pelo Brasil em um período de 12 meses, enquanto os Estados Unidos já embarcaram 68,1 milhões de toneladas entre agosto/20 e julho/21.

Sempre considerando um período acumulado de 12 meses, o Brasil já exportou mais que os Estados Unidos durante 2013 e início de 2014, quando a produção americana foi prejudicada por uma forte seca, bem como entre o final de 2019 e o início de 2019. 2020, quando também houve uma restrição ao fornecimento nos EUA. Vale considerar que foi a partir de 2020 que a China passou a importar maiores volumes no mercado internacional, tornando-se o maior comprador de milho dos EUA em 2021 e 2022. É exatamente esse contexto que leva a expectativas positivas para as exportações brasileiras nos próximos meses e anos, com avanços nos acordos fitossanitários com a China – este país já era o principal destino do milho brasileiro em dezembro/22 e janeiro/23.

Nos últimos meses, além do grande superávit interno, a demanda externa pelo cereal nacional também foi favorecida pelas restrições observadas nos maiores exportadores mundiais, como Estados Unidos, Argentina e Ucrânia. Os dois primeiros países enfrentaram condições climáticas adversas, enquanto a guerra limitou a capacidade de abastecimento e exportação do país do leste europeu.

O que vem pela frente? Primeiro, no caso do Brasil, as atenções devem se voltar para o cultivo do milho para a segunda safra 2022/23, cujo atual ritmo de semeadura está atrasado, devido à lentidão da colheita, principalmente da soja – as atividades no campo têm sido afetadas pelas chuvas intensas. As exportações também tendem a diminuir à medida que a disponibilidade doméstica diminui até que uma nova safra esteja disponível. Nos Estados Unidos, a soja e o milho, em especial, devem continuar com uma disputa acirrada por área, mas é de se esperar que os superávits norte-americanos possam voltar aos níveis normais, permitindo a retomada da liderança nas exportações mundiais.

Mas o Brasil ainda tem muita capacidade para aumentar sua oferta, principalmente na segunda safra, o que pode acirrar a disputa no mercado mundial de milho com os Estados Unidos. A oferta abundante pressiona os preços internos para a paridade internacional, favorecendo os compradores brasileiros e abrindo espaço para as exportações, trazendo recursos internacionais para o mercado doméstico. Que possamos continuar em um mercado de livre comércio, no qual compradores e vendedores optam pelas melhores oportunidades para seus negócios, além de traçar estratégias para antecipar tendências.



Fonte: Noticias Agricolas

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