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Mikhail Gorbachev e a moça dos pastéis na redação do jornal paulista

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Gil Reis*

Em meio à sequidão de todos os debates em que estamos imersos hoje, sempre há momentos luminosos que preservam nossa sanidade e trazem um pouco de silêncio aos nossos cérebros cansados ​​da luta de um dia inteiro em resguardo de nossas convicções. Finalmente, o Brasil e o mundo são extremamente cansativos. Diz-se, “na conversa fiada”, que escrevo muito. É verdade e justifico-o sempre, sou um plumitivo compulsivo, não consigo parar de ler nem de redigir e o mundo está pleno de argumentos. Acredito que desde que os chineses inventaram o papel e a prelo (por obséquio, procure), tanto nunca foi escrito. Naturalmente, somos agora presenteados com um enorme espaço do dedo.

Portanto, decidi refrescar as mentes cansadas de quem lê levante item. De tempos em tempos, quando o universo permitir, trarei à tona fatos do cotidiano que passam despercebidos por sua originalidade e que nos confortam ao relembrar nossa humanidade aparentemente perdida em meio a intensos debates. Em 7 de abril de 2012, o Portal dos Jornalistas publicou, na pilastra ‘Memórias da Redação’, o item “Queijos para Mikhail Gorbachev”. Transcrevo segmento.

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“A reportagem desta semana, de Luiz Ruffato, foi originalmente publicada no site brasílico do El País no dia 24/02 e está sendo reproduzida cá com autorização do responsável e do veículo. Mineiro, Ruffato chegou a São Paulo em 1990 e desempenhou diversas funções no Jornal da Tarde, onde aconteceu o incidente que ele relata. Desde 2003 dedica-se exclusivamente à literatura:

‘Em 1993, o Presidente da República era Itamar Franco, o Ministro da Rancho, Fernando Henrique Cardoso, e a moeda, o Cruzeiro Real. Eu trabalhava porquê editora do Jornal da Tarde, em São Paulo, e esperava ansiosa pelo promanação da minha filha, Helena. Mikhail Gorbachev estava no auge de sua popularidade. Responsável pelas reformas política (glasnost) e econômica (perestroika) que possibilitaram o término da Guerra Fria e, ao mesmo tempo, resultaram na rescisão da União Soviética, ele ganhava a vida dando palestras pelo mundo. Em uma delas, acabou esbarrando no jornal O Estado de S. Paulo, cuja redação funcionava no mesmo marchar do Jornal da Tarde, separado somente por um estreito galeria.

Todos os dias, às cinco horas da tarde, Luziane descia do sétimo marchar empurrando um carrinho pleno de doces. Ela estacionou em um quina e esperou a chegada dos jornalistas de ambas as redações, que estavam rapidamente ficando sem suprimentos. Em universal oferecia coxinhas, rissóis, quibes, enroladinhos de salsicha, esfirras, bombons e refrigerantes. Mas, durante alguns meses de 1993, a cantina resolveu inovar e, além dos salgadinhos e doces tradicionais, Luziane trouxe também pastéis quentinhos, músculos e queijo, que, sendo poucos, eram disputados a empurrão e cotovelada. Portanto ela percorria o sexto marchar, de mesa em mesa, cobrando a conta. Eles quase nunca falharam com ele. Até porque, entendemos, era ela quem pagava a diferença em quantia, se houvesse.

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A ingresso de Gorbatchov na redação de O Estado de S. Paulo ocorreu de forma ostensiva. Escoltado de sua esposa, Raisa, diretores de empresas e políticos, e encurralado por enormes, tensos e carrancudos seguranças, o ex-líder soviético arrastou sua comitiva, amigável, mas intangível. Portanto alguém, querendo agradá-la, foi até o carrinho de Luziane, que acabara de descer do sétimo marchar, e, pegando dois pastéis de queijo, entregou-os a Gorbachev e Raisa, explicando que era ‘uma iguaria brasileira’, concepção que o tradutor deve ter feito um esforço para transmitir ao par.

Não me lembro se experimentaram os pastéis ou se, educadamente, somente agradeceram a gentileza, encaminhando-os para uma assessora. Sei que, à medida que chegavam, começavam a partir, porquê um trem que, posteriormente uma breve paragem na estação, volta às pressas aos trilhos. VP era sabido pelas piadas, muitas delas de mau paladar, que contava aos colegas. Sempre à espreita de oportunidades para exercitar sua zombaria, pressentiu a iminente retirada de Gorbatchov e denunciou-o a Luziane. Olha, aquele careca vai embora sem remunerar. Imediatamente, largou a carroça e, correndo, intrometeu-se no meio do cortejo, sem dificuldade, ligeira que era.

Quando os seguranças perceberam, Luziane já estava de pé, com o dedo no ar, gritando para um Gorbachev boquiaberto: Você não vai embora sem remunerar! Portanto eu tenho que arcar com os danos! Diante da incredulidade da comitiva, que não entendia o que estava acontecendo, alguém desembolsou uma nota que cobria confortavelmente a despesa, entregou-a distraída a Luziane, e, pensando em se livrar rapidamente dela, disse: Pode permanecer com o resto.

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Mas ela, paciente, sem se distanciar um milímetro do lugar onde havia se plantado, contou e recontou o troco, devolveu o quantia que sobrava, agradeceu e só logo o grupo voltou a se movimentar. Luziane voltou com um sorriso vitorioso, tendo sido discretamente aplaudida por alguns jornalistas. Ela enfrentou, sem saber, um dos homens mais importantes e poderosos do mundo, contando somente com seu corpo frágil e sua mandamento de sobrevivente.”

A “realização” de Luziane traz o lado humano do cotidiano, ao mesmo tempo em que nos remete ao ‘espírito idoso’ dos veículos de informação, com todo o seu coleguismo e brincadeiras. Os tempos mudaram, porém, o espírito humano não comprado pelo interesse próprio não mudou. A incerteza sempre fica: será que Luziane agiria da mesma forma se soubesse que está enfrentando um poderoso? Acho que ela agiria da mesma forma. Ela era – não sei se ainda é, se está viva ou se ascendeu a outro patamar na graduação social – uma pessoa humilde e pobre que luta pela sobrevivência e certamente não aceitaria arcar com os custos dos pastéis, mesmo que sabia que o caloteiro era um varão poderoso.

Considero um manobra muito bom a procura pelo conhecimento, não somente pelo conhecimento científico, porque temos que ir além na história da humanidade. Não devemos ser somente meros cientistas, arqueólogos, paleontólogos (os paleontólogos procuram fósseis, partes de corpos de animais preservados ao longo dos anos no subsolo, rochas sedimentares, gelo e outras substâncias – e os arqueólogos estudam as culturas humanas e modos de vida a partir de vestígios materiais porquê um objeto usado por alguma cultura já) ou outros ‘ólogos’. Temos que ir mais fundo e estudar o comportamento humano para nos conhecermos mais através de tudo o que a humanidade passou e a reação dos seres humanos.

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Sempre temos que lembrar que temos um pretérito, vivemos no presente construindo um porvir que vai depender do nosso comportamento hoje. Assim disse William Shakespeare: “O que é pretérito é prólogo.”

*Consultor em Agronegócio

**Oriente texto não reflete necessariamente a opinião da AGROemDIA


Fonte: Agro

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