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uma proposta para justiça climática • Portal DBO

    uma proposta para justiça climática • Portal DBO

    Por Sergio Raposo de Medeiros – Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste

    O início do segundo semestre de 2023 chegou com o despertar do El Niño, recordes de maior temperatura média da Terra e um artigo na revista Natureo que deve garantir ainda mais calor mas, quem sabe, pode ajudar nas negociações sobre ações climáticas mais justas.

    Um relato parcial do conteúdo da obra é o objetivo deste texto, como forma de ampliar o acesso das pessoas a ela. Ao final, são feitas algumas considerações sobre como devemos aproveitá-lo.

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    Os dois autores, Andrew Fanning e Jason Hickel, são acadêmicos de universidades europeias e fizeram um trabalho ambicioso, com dados de emissões globais de 1850 a 2020, para mostrar como cada país usou sua “parte justa” da atmosfera para emissão de carbono e, assim, estimar quais valores, inclusive monetários, estariam envolvidos.

    Uma das premissas mais importantes deste trabalho é justamente tratar a atmosfera como um bem da humanidade ao qual todos têm o mesmo direito e, portanto, o orçamento de dióxido de carbono (CO2) alocado nesse espaço deve seguir o mesmo princípio, onde a parte justa da alocação de CO vem2 de cada país.

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    Definida a parcela a que cada país tem direito, quando a emissão acumulada ultrapassa esse valor, considera-se que há uma apropriação de espaço alheio que se tornaria uma dívida climática. Por essa apropriação, portanto, os grandes emissores deveriam compensar os países pouco emissores.

    Os autores trazem à tona o parágrafo 51 do Acordo de Parisque isenta os países signatários de responsabilidade ou indenização, mas destacam que vários especialistas defendem que ainda é possível desenvolver um sistema para responsabilizar e gerar indenizações sob o Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danoscriada em 2013. Segundo eles, essa proposta ganhou força na COP26 (COP, Conferência das Partes da ONU), realizada em 2021 na Escócia e na COP27, no Egito, quando foi formalmente instituído um fundo de perdas e danos, com detalhes a serem serão discutidos na COP28, que deve ocorrer no final deste ano em Dubai.

    Fanning e Hickel criaram um método empírico para quantificar quanto os países que emitem acima de sua cota justa deveriam pagar aos que usam menos. Então, usando a abordagem de participação justa, eles calcularam o uso por país de seus orçamentos de carbono estabelecidos para três cenários: (1) 350 ppm CO2 na atmosfera, (2) a média mundial é de 1,5oC ou (3) 2.0oC mais quente em comparação com a era pré-industrial.

    A escolha desses cenários seria porque 350 ppm de CO2 na atmosfera seria o limite considerado seguro, 1,5oC seria o valor alvo e 2,0oC, o valor máximo estabelecido como metas no Acordo de Paris. Metas de emissão para manter 1,5oC seria: redução de 45% até 2030 e chegar a zero emissões líquidas até 2050. Os 350 ppm já foram alcançados em 1988 e, mantendo as condições usuais (negócios, como sempre), os 1,5oC, será atingido por volta de 2030, e o 2.0oC, eu sou 2044.

    Além dos orçamentos de CO2 Para 168 países nesses três cenários, eles simularam a opção se cada um desses países tivesse um esforço agressivo de redução de emissões para atingir emissões líquidas zero até 2050.

    Para atribuir um valor monetário ao que seria apropriado dos países que excedessem sua cota justa, os autores recorreram a valores de carbono com base nos custos marginais de abatimento do último relatório (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

    Resultados

    Os resultados foram apresentados para dois grupos: Dos países grandes emissores, o grupo que eles chamaram de Norte Global, e os demais, chamados de Sul Global. Os primeiros foram representados por Estados Unidos, Europa, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão e Israel, totalizando 39 países. O Sul global seria formado por outros países da Ásia, das Américas e da África, totalizando 139 países.

    Na tabela abaixo, o ano em que o Mundo, o Sul Global e o Norte Global atingiram, ou atingirão, o orçamento total de emissões para cada um dos três cenários. Há uma clara diferença entre o Norte global e o Sul global e que este último é credor desde 1969.

    Cenário: Mundo no global Norte global
    350 ppm Conquistado em 1988 Conquistado em 2012 Alcançado em 1969
    1,5°C Planejado para 2030 Planejado para 2048 Conquistado em 1986
    2°C Planejado para 2044 Planejado para 2050 Conquistado em 1995

    O mundo hoje teria três vezes mais emissões acumuladas do que em 1988, quando o CO2 atingiu 350 ppm na atmosfera. O Norte global, por sua vez, o teria superado em 2,5 vezes e, mesmo que fizesse um grande esforço para tentar chegar a emissões líquidas zero (net-zero) em 2050, ao conseguir manter os 1,5oC, estaria emitindo cerca de 3 vezes o quinhão. Mantendo as condições atuais, para esta mesma situação, seriam 4 vezes.

    Os países do Norte global seriam responsáveis ​​por 91% das emissões acima da parcela justa de 1,5oC entre 1960-2019. Sem nenhuma ação de redução de emissões, essa emissão extra dos países do Norte dobraria até 2050, porém a participação cairia para 60%, por causa da emissão dos países do Sul Global neste período. Um bom exemplo é a China, que, de uma lacuna de 15% em 2019, passaria para 27% a mais de emissões do que sua parcela justa em 2050.

    Existem muitos outros resultados, mas, para simplificar, eles não serão relatados aqui. Recomendo fortemente, a todos que puderem, a leitura de toda a obra, leitura aberta na página da revista Nature, conforme link já passado no início deste texto.

    Discussão

    Os resultados mostram como o Norte global já esgotou sua parte justa, com base na igualdade dos balanços de carbono dos cenários de 1,5°C e 2°C. Qualquer nova emissão de sua parte implicaria novas apropriações de partes justas de outros países. Em contraste, o Sul Global permaneceria bem dentro de sua parcela justa do orçamento de 1,5°C. Assumindo um cenário ambicioso de mitigação líquida zero até 2050, 50% da parcela justa disponível seria apropriada pelas nações ricas. Nesse caso, a compensação pela emissão para os menores do Sul global seria de US$ 192 trilhões até 2050, com um desembolso médio para esses países de US$ 940 per capita por ano.

    Os benefícios dessa abordagem específica para cada país seriam: (1) reconhecer a responsabilidade histórica dos países superemissores, (2) fornecer uma compensação justa aos países que ainda estão dentro de sua parcela justa e (3) ser capaz de acomodar mudanças nas trajetórias de emissões e preços de carbono ao longo do tempo.

    Um fator importante para lançamentos é a data de início da contagem. Aqui, 1960 foi considerado como a linha de base porque cai entre 1850, uma data-base usual para análises cumulativas de emissões, e 1992, ano em que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima foi estabelecida.

    Em 1960, já havia um período razoável de compreensão da influência da queima de combustíveis fósseis e do acúmulo de CO.2 efeito atmosférico na temperatura global, que começou a ser comunicado ao público em geral na década de 1950. Desde então, houve pelo menos um filme de catástrofe baseado na mudança climática. Mesmo com a linha de base de 1992, os resultados mostram que os países de baixa emissão teriam direito a uma compensação de mais de US$ 100 trilhões.

    Os autores mostram que o cenário de emissão líquida zero é bastante improvável, citando os resultados do último relatório do IPCC em que, mantidas as bases atuais, o mundo deve chegar a +3,2oC até 2100. Eles alertam que o aumento da eficiência do lado da oferta e as novas tecnologias por si só podem não ser suficientes para evitar isso.

    Por isso, recomendam a redução do lado da demanda, com menor produção e consumo de produtos supérfluos, bem como substituições por produtos feitos com tecnologias de baixo carbono. Além disso, defendem que devemos buscar sistemas econômicos regenerativos que armazenem carbono, reciclem a água e favoreçam a manutenção da biodiversidade.

    É importante ressaltar que os próprios autores deixam claro que este estudo não pretende ser uma proposta de implementação prática, mas que, ao fornecer a quantificação das emissões de forma que inclua responsabilidades históricas e atuais, pode ser utilizado como um subsídio para discussões em relação à justiça climática. Eles também comentam como outras formas de estabelecer valores justos de emissão de CO2, além de levar mais em conta as particularidades de cada país. Por fim, lembre-se de como o banco de dados utilizado também possui um grau razoável de incerteza.

    Algumas considerações sobre o trabalho e o Brasil

    É um trabalho cujos resultados interessam muito ao Brasil, pois mostram que estamos do lado dos países de baixa emissão e que parte do nosso quinhão é apropriado pelos países do Norte global.

    É importante que os acadêmicos e negociadores brasileiros envolvidos em fóruns internacionais sobre clima, especialmente nas COPs, conheçam a fundo esse trabalho e qualquer crítica feita que seja forte. Associando todas as críticas às limitações expostas pelos próprios autores, que todos os pontos fortes e fracos do artigo sejam bem compreendidos, a fim de aproveitar todas as informações relevantes como suporte em futuras negociações.

    No processo descrito acima, é importante que os envolvidos no processo criem a capacidade de fazer nossa própria contabilidade, bem como poder agregar aspectos que aprimorem a proposta e contemplem nossas particularidades de forma mais adequada.

    Não é de se esperar que os valores apurados sejam reconhecidos e pagos por grandes emissores, quando nem mesmo o fundo para países em desenvolvimento previsto no Acordo de Paris tem fluxo dentro do acordo. No entanto, especialmente se passar pelo escrutínio de pares acadêmicos e detratores em geral, bem como se for aprimorado, é uma ferramenta importante que coloca a maneira injusta como as coisas têm sido tratadas em uma perspectiva muito convincente.

    Esforços de comunicação (como o presente texto) devem ser feitos para ampliar o público, levando conhecimento ao máximo de pessoas envolvidas com o assunto.

    O Brasil, então, deve continuar perseguindo sua redução de emissões, até porque temos muitas situações em que podemos, ao mesmo tempo, reduzir emissões, aumentar a lucratividade e reduzir o impacto ambiental. Não há setor onde isso seja mais verdadeiro do que no Agro brasileiro.

    Conseguindo ousar nas opções win-win de redução, liderando pelo exemplo a descarbonização da economia e com dados como este trabalho validados pela comunidade internacional, deixamos os grandes países emissores numa situação indefensável, que, infelizmente, é nada garante pela grande assimetria de forças entre grandes e pequenos emissores e pelos diversos interesses difusos do grupo de países. Mesmo que não seja suficiente para fazer justiça plena, pode nos ajudar a chegar a acordos menos injustos.

    Certamente voltaremos a este assunto!

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