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Reuters: ‘Pai das urnas eletrônicas’ vê grande risco em…

por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) – Conhecido como o “pai das urnas eletrônicas” por seu papel em implementá-las em 1996, Giuseppe Janino disse em entrevista à Reuters que seria um “grande risco” fazer mudanças no processo eleitoral de 20 dias antes do primeiro turno para implementar um teste de integridade com biometria proposta pelas Forças Armadas e aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta terça-feira.

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“Qualquer modificação, principalmente 20 dias antes das eleições, seria totalmente temerária porque não haveria verificação, nem exercício desses procedimentos, nem recursos de software, nem treinamento das pessoas que atuariam. Certamente tal modificação seria um grande risco” , disse Janino, que foi secretário de Tecnologia da Informação do TSE por 15 anos, cargo que deixou em maio do ano passado.

Após insistência do Ministério da Defesa, o tribunal acatou a sugestão dos militares de adotar a etapa de biometria no teste de integridade das urnas eletrônicas. As Forças Armadas ainda planejam uma verificação inédita, por meio da análise do resultado de um conjunto de urnas, do total de votos.

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Nesta terça-feira, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, disse que o novo exame biométrico será realizado em até 10% das 648 pesquisas já previstas para o procedimento “para verificar se isso é estatisticamente necessário ou não, porque há não há prova estatística de que este teste biométrico melhora ou não a fiscalização”.

“O teste de integridade válido é o teste tradicional, inclusive, que passou de 100 urnas para 640 urnas nessas eleições”, disse o presidente do TSE.

O aumento da metodologia proposta pela Defesa ocorre em um momento em que o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), alimenta, sem provas, um medo de fraude nas eleições do próximo mês, respaldado pela liderança militar.

Até a última eleição, o teste de integridade era sempre realizado nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Este processo consiste na retirada de uma urna do local da assembleia de voto e, no dia da votação, é realizada uma votação aberta, com posterior digitação do número de candidatos em ambiente fechado. Em seguida, verifica-se se há correspondência entre o que foi digitado no teclado da urna eletrônica e o voto da cédula.

De acordo com a proposta das Forças Armadas agora aprovada, a urna eletrônica estaria na mesa no dia da votação e o eleitor votaria normalmente. Em seguida, um eleitor seria convidado a fazer o teste de integridade em outra urna eletrônica, em uma sala contígua. Ele usaria sua biometria para liberar a urna de teste e seria dispensado. O restante da execução do teste seria feito pelos servidores da Justiça Eleitoral, como atualmente é feito pelos TREs.

Para o ex-chefe de tecnologia do TSE, a forma como esse passo a passo será implementado e comunicado será decisivo para ter efeitos positivos, como aumentar a transparência do processo eleitoral.

“É preciso esclarecer muito bem ao eleitor que ele está participando de uma auditoria, e não exatamente da votação, e que o destino desse voto será apenas para a verificação da integridade do processo de votação e apuração de votos”, disse Janino, que conversou com a Reuters antes e depois do TSE martelar a mudança.

Para os militares, o novo teste de integridade biométrica é um dos pontos-chave no acordo com o TSE, disse à Reuters um alto funcionário do Exército com conhecimento das negociações Defesa-TSE.

“A confiança no resultado passa no teste da integridade”, disse esta fonte militar entrevistada pela Reuters.

A proposta que acabou sendo aprovada seria um dos temas de um novo encontro que o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, teria com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e técnicos, segundo fontes envolvidas no as negociações de ambos os lados. Moraes já vinha sinalizando nos bastidores que poderia aceitar a sugestão.

VERIFICA

No entanto, a reunião foi cancelada depois que o TSE se sentiu mal com a reportagem feita pela Folha de S.Paulo na segunda-feira, informando que os militares teriam um acordo com a Justiça para realizar uma “investigação paralela” com o monitoramento de 385 cédulas caixas (BUs) destinadas a verificar os votos e comparar com o resultado oficial do tribunal.

O Ministério da Defesa rejeita chamar essa iniciativa de contagem paralela e a chama de “verificação da totalização por amostragem” de votos, segundo a fonte militar entrevistada pela Reuters. Eles queriam ter acesso aos dados brutos da agregação para facilitar a verificação, mas se não estiver aberto a eles, farão o processo de qualquer maneira, usando os dados agregados disponibilizados pelo tribunal na internet.

Os militares vão tirar fotos das BUs em determinadas assembleias de voto e enviá-las para uma equipa que irá verificar os votos. Eles querem apresentar o resultado da verificação no mesmo dia em que o TSE fará a sua totalização.

Integrantes das Forças Armadas querem analisar se há correspondência entre a totalização do tribunal e as verificações que farão. Caso não haja, de acordo com a fonte, eles apresentarão os pontos de divergência ao tribunal, que será responsável por tomar – se quiser – as providências.

Procurado, o Ministério da Defesa não respondeu a um pedido de comentário.

Para Giuseppe Janino, em eleições passadas já havia a possibilidade de as Forças Armadas ou outras instituições realizarem verificações de forma independente.

“Não vejo nada de novo no sentido de usar esses mecanismos que estão disponíveis há muito tempo, que são elementos suficientes para uma auditoria”, disse.

Após a publicação da reportagem da Folha, o TSE divulgou nota de esclarecimento para dizer que não houve alteração no que foi definido no primeiro semestre do ano de “qualquer acordo com as Forças Armadas ou órgãos de fiscalização para permitir acesso diferenciado em tempo aos dados enviados para a agregação do processo eleitoral pelos TREs, cuja realização é de competência constitucional da Justiça Eleitoral”.

“Qualquer interessado poderá ir às assembleias de voto e adicionar livremente as BUs [boletins de urna] de uma, dez, 300 ou todas as urnas”, disse o tribunal em um comunicado.

Jair Bolsonaro disse que respeitará o resultado das eleições desde que sejam “transparentes e limpas” – sem detalhar o que isso significa. Ele mesmo já sugeriu a possibilidade de uma investigação paralela feita pelas Forças Armadas.

Desde a redemocratização, os militares participam da organização de eleições no Brasil, fornecendo apoio logístico e de segurança. Sob Bolsonaro, parte da liderança militar começou a ecoar as suspeitas do presidente e os militares acabaram sendo convidados pelo TSE a participar, com outras instituições, de uma instância para debater a transparência do sistema e atuar na fiscalização do voto.

Os prazos oficiais para colaboração nesta instância já se encerraram, mas os militares vinham insistindo em aplicar mudanças ainda nesta eleição – o que foi negado pelo ex-chefe do TSE, Edson Fachin, mas agora aceito por Moraes.

Até o barulho desta segunda-feira, entre os militares envolvidos, segundo essa fonte, a avaliação era de que Moraes adotou uma série de iniciativas para diminuir as divergências entre o TSE e a Defesa e que as conversas foram técnicas e produtivas.

(Reportagem adicional de Anthony Boadle)



Fonte: Noticias Agricolas

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