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Embrapa: Sistema portátil avalia qualidade do leite cru em segundos

    Embrapa Sistema portatil avalia qualidade do leite cru em segundos
    Arte: Embrapa

    Em fase de validação experimental, uma tecnologia desenvolvida pela Embrapa, com apoio da iniciativa privada, é uma alternativa à falta de técnicas rápidas e confiáveis ​​para avaliar a qualidade do leite cru no local de produção. O sistema digital permite o acesso aos dados de análise remotamente através de uma conexão de rede sem fio (Wi-Fi). Batizada de SondaLeite, a inovação foi capaz de detectar com precisão e em segundos um problema multifatorial que causa grandes prejuízos à cadeia produtiva brasileira, a incidência do leite instável não ácido (Lina).

    Desenvolvido pela Embrapa Instrumentação (SP), em parceria com a Embrapa Clima Temperado (RS), com apoio da Dairy Equipamentos, com sede em Curitiba (PR), o SondaLeite utiliza feixes de luz para detectar, em 25 segundos, as diferentes condições do leite cru, se normal, Lina ou ácida.

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    Com os resultados obtidos na fase de validação experimental, a tecnologia entra no processo de licenciamento para o setor privado, a fim de realizar produção em escala e fornecer ao setor de laticínios uma forma confiável de detectar a estabilidade do produto.

    O caso mais crítico de identificação é o de Lina, uma alteração na qualidade do leite devido à perda de estabilidade da caseína, principal proteína do leite. A instabilidade ocorre quando o leite submetido ao teste de álcool, também conhecido como Alizarol, é coalhado. Ao coagular na presença de solução alcoólica, o leite instável é confundido com o leite ácido sem, no entanto, apresentar acidez elevada.

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    Mas o teste de álcool, usado por mais de cem anos, tem resultados subjetivos, assim como outros falsos positivos ou falsos negativos para acidez. Ela é realizada em cerca de três minutos, momentos antes da coleta do leite nas fazendas. Este teste é realizado por portaria do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), para avaliar a qualidade do produto quanto à acidez e estabilidade térmica, conforme preconiza a Instrução Normativa nº 76, de 26/11/2018.

    De acordo com a norma, antes da coleta nas unidades de produção, o leite deve ser agitado e passar por teste de álcool na concentração mínima de 72ºGL. O leite deve estar estável antes do teste, ou seja, não apresentar precipitação. Para que o leite seja aceito nas indústrias, é necessária uma composição química mínima de 3% de gordura, 2,9% de proteína e 8,4% de extrato desengordurado, e o produto deve ser estável ao álcool ou 72% de alizarol.

    Os testes tradicionalmente utilizados estão sujeitos ao erro humano porque são decididos de acordo com a capacidade e experiência do analisador. Eles também têm pouca confiabilidade para estimar a estabilidade térmica do leite. Ainda assim, são utilizados e empregados como critério para tomada de decisão sobre a retirada ou não do leite antes mesmo de sair da propriedade rural.

    Diante da necessidade de um teste rápido que identifique as diferentes condições do leite cru – normal, Lina e ácido – adequado para processamento térmico, o SondaLeite é uma ferramenta com potencial para eliminar interferências humanas, incertezas, minimizar danos à cadeia leiteira, principalmente aos pequenos produtores, e suprir a falta de mercado para detecção rápida de Lina.

    Lina tem sido um desafio para o gado leiteiro e a causa não foi totalmente esclarecida. Muitos estudos associam Lina a fatores nutricionais, deficiência nutricional, restrição alimentar, deficiência energética, excesso de proteína associada à deficiência energética, excesso de proteína degradável no rúmen, deficiência de proteína metabolizável, acidose metabólica, acidose ruminal, mudanças na dieta, vacas em estágios iniciais ou tardios de lactação.

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    Foto: Divulgação/Embrapa

    direto no campo

    O projeto de desenvolvimento SondaLeite teve início em 2019, mas foi interrompido devido à pandemia de Covid-19. No final do ano passado, as pesquisas foram retomadas com novos testes para detectar a estabilidade do leite cru. O sistema portátil, robusto, de resultados rápidos e de fácil manuseio pode ser utilizado diretamente no campo, acoplado a caminhões coletores a granel, bem como em laboratório e até instalado em tanques de resfriamento, em laticínios e cooperativas.

    Além de monitorar a qualidade do leite, com resultados confiáveis, pode ser utilizado para múltiplas finalidades, como detecção de mastite e adulteração. As novas funcionalidades podem ser incluídas com incrementos na instrumentação do dispositivo, o que aumentará seu leque de aplicações.

    Diagnóstico evita problemas

    O diagnóstico de Lina resolve problemas entre produtores e laticínios que afetam toda a cadeia produtiva. Dentre eles, o diagnóstico equivocado da qualidade do produto nas propriedades; as próprias perdas de leite e renda; fricção entre produtores e indústria e a redução de produtos lácteos aos consumidores.

    Zanela lembra que o Lina pode ser pasteurizado (processo que garante a segurança alimentar), o que resolveria o problema do descarte do leite, que poderia ser transformado em laticínios pasteurizados (queijo, iogurte, bebida láctea, requeijão, entre outros).

    cadeia do leite

    Segundo dados do Mapa, o Brasil tem mais de um milhão de propriedades produtoras de leite e é o terceiro maior produtor do mundo, com mais de 34 bilhões de litros por ano. A produção está concentrada em 98% dos municípios brasileiros, com predominância de pequenas e médias propriedades. O setor emprega cerca de 4 milhões de pessoas.

    A Secretaria de Política Agrícola (SPA), do Ministério da Agricultura, estima que, até 2030, permaneçam no campo os produtores mais eficientes, que se adaptam à nova realidade de adoção de tecnologia, melhorias de gestão e maior eficiência técnica e econômica.

    Equipamento usa luz para avaliar leite

    O pesquisador Washington Luiz de Barros Melo, da Embrapa, explica que, para eliminar a interferência humana no processo de análise da acidez do leite cru, ele pensou em um instrumento espectroscópico computadorizado associado a um método estatístico de análise.

    Trata-se de uma sonda dedicada à avaliação de amostras líquidas nos locais de produção e coleta, por meio da utilização da luz emitida e captada por componentes semicondutores que fazem parte do sistema sensor. O aparelho consiste em partes: câmera de medição; sistema óptico com diodo emissor de luz (LED) e computador de bordo.

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    Foto: Irene Mendes/Emater RO/Divulgação

    A tecnologia, desenvolvida no Laboratório Fototérmico da Embrapa Instrumentação, pode ser operada por qualquer sistema operacional em um computador, celular ou tablet. “O SondaLeite funciona como qualquer outro espectrofotômetro, porém, como a iluminação é em comprimento de onda discreto, o tempo de aquisição dos dados leva alguns segundos”, diz.

    Segundo Melo, a amostra de 100 mililitros de leite dentro do equipamento recebe luz em diferentes comprimentos de onda, incluindo infravermelho próximo (NIR), visível (Vis) e ultravioleta próximo (UVA).

    “Ao focar no leite, partes dessas luzes são absorvidas e partes são refletidas. A luz refletida é detectada e convertida em sinais elétricos, que ficam armazenados na memória do computador de bordo do SondaLeite. Esses dados coletados formam o espectro do leite, que é submetido à análise estatística. O resultado então indica a condição de estabilidade do leite”, diz o pesquisador.

    Segundo Melo, os testes com o SondaLeite estão sendo feitos em leite de animais de diferentes raças, como Holandês e Jersey, e em rebanhos de diferentes laticínios do sul do país. A composição do leite – gordura, proteínas, açúcares, minerais – pode influenciar os resultados espectrais; assim, faz-se necessário um estudo estatístico dos casos.

    “As amostras também foram avaliadas quanto à acidez titulável (°Dornic); pH; estabilidade ao álcool/alizarol em diferentes graus e ocorrência de Lina”, relata o responsável pelo projeto.

    Amostras de leite de diferentes raças e rebanhos foram enviadas ao Laboratório de Qualidade do Leite da Embrapa Clima Temperado (Lableite), certificado pela Rede Brasileira de Qualidade do Leite (RBQL) para análise da composição química (gordura, proteína bruta, lactose e sólidos totais). por infravermelho; contagem de células somáticas (SCC) e contagem bacteriana total (CBT) por citometria de fluxo. Os resultados estão sendo comparados com os espectros de reflectância SondaLeite.

    ProbeMilk no Sul

    A pesquisadora Maira Balbinotti Zanela, veterinária à frente das atividades da Embrapa Clima Temperado, conta que o SondaLeite está sendo avaliado para ser utilizado no desenvolvimento de uma metodologia de diagnóstico diferencial, para identificar leite normal, leite ácido e Lina. Para essa identificação, ela relata que são feitas diversas análises: o teste de álcool em diferentes graduações, o teste de acidez que pode ser titulado em graus Dornic, o teste de pH, que indica a ocorrência de Lina. Estes resultados são comparados com os obtidos pela SondaLeite.

    “A ideia é que a SondaLeite consiga diferenciar entre Lina, leite normal e leite azedo. Assim, uma nova forma de avaliar a qualidade do produto nas unidades de produção de leite pode ser oferecida, evitando a condenação de Lina”, afirma o pesquisador. Segundo ela, os resultados preliminares indicaram que há boas possibilidades de diferenciação, mas devido à interrupção dos testes devido à pandemia de Covid-19, uma amostragem mais ampla é necessária para concluir a validação da metodologia, considerando a diversidade de raças, gestão e sazonalidade.

    “Com o SondaLeite, buscamos outro teste que possa substituir o teste do álcool ou do alizarol, para que seja feito um diagnóstico diferencial. Lina terá outro destino além de ser simplesmente descartada pelo produtor rural. Esse descarte, além de trazer prejuízos para toda a cadeia produtiva e reduzir insumos para a indústria e para o consumidor, também pode resultar em um passivo ambiental devido ao descarte de matéria orgânica”, explica. A Embrapa Clima Temperado trabalha no Projeto Lina há duas décadas, a partir de denúncias de produtores de leite da Região Sul, que questionavam os motivos dos resultados obtidos com o teste de alcoolemia.

    “Como esse teste não diferencia o leite azedo do Lina, está sendo desenvolvido um novo método de diagnóstico da qualidade do leite nas propriedades com o auxílio do SondaLeite. O teste do álcool faz com que toda a cadeia produtiva sofra prejuízos: produtor que perde o produto e a renda; a indústria que recebe menor volume de leite; e o consumidor que tem menos do produto disponível”, lembra a pesquisadora Maira Zanela.

    Segundo ela, as estimativas de perdas de produtos variam muito; entre as causas estão o descarte do leite por acidez falsamente alta e resultado positivo no teste de álcool – considerando uma produção média de leite de 213 litros por unidade de produção leiteira (UPL) e uma ocorrência em torno de dez dias, estima-se uma perda média de 2.130 litros/UPL no caso da Lina.

    “Além disso, há prejuízo aos produtores de leite pela condenação da matéria-prima – considerando dois reais por litro de leite, estima-se um prejuízo de 4.260 reais por UPL”, calcula Zanela.

    Da Embrapa Instrumentação


    Fonte: Agro