Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – A Câmara dos Deputados se prepara para votar nesta terça-feira um ambicioso projeto de lei para regulamentar as redes sociais no país, que conta com o apoio do governo Lula e do Judiciário ao mesmo tempo em que mobiliza uma intensa campanha. ao contrário de gigantes globais da tecnologia, líderes religiosos e oposicionistas ligados a Jair Bolsonaro.
O relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), apresentou a última versão de seu parecer nesta quinta-feira, com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que trabalha para avançar com a texto depois de se esforçar para aprovar a urgência do assunto na semana passada.
Apesar de ter decidido, Arthur Lira convocou líderes e o relator para esta terça-feira para avaliar o cenário e só deve realizar a votação da proposta se houver ambiente para aprová-la e o texto não estiver desfigurado, segundo fontes próximas a ele e deputados ouvidos pela Reuters. É possível que seja considerada apenas a votação do texto-base, deixando os pontos polêmicos para votações separadas por meio de emendas ou destaques.
O parecer da chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência propõe responsabilizar as plataformas pelo conteúdo divulgado, em uma mudança em relação à norma vigente, regida pelo Marco Civil da Internet.
As empresas terão de, por exemplo, atuar ativamente na busca –e impedir a divulgação– de conteúdos que envolvam discriminação de gênero, idade e raça e que apreendam crimes contra o Estado, eleições e atos de terrorismo, mesmo em fase preparatória.
A proposta também prevê que as plataformas terão que remunerar as empresas jornalísticas pelo uso do conteúdo, deixando valores para posterior regulamentação. Grupos de mídia nacionais têm sido favoráveis ao texto.
“A situação atual (regulação da rede) criou o ambiente para o dia 8 de janeiro, produziu um ambiente de violência nas escolas que tragédias como as que aconteceram em São Paulo e Santa Catarina”, afirmou o relator do texto à Reuters. “Existe um anseio da população que haja parâmetros”, destacou.
Pressionado por parlamentares, Orlando Silva fez recuos na última versão da proposta. Ele retirou a criação de uma autoridade autônoma dentro do governo para supervisionar as redes sociais.
“Optei por retirar essa proposta do texto para deixar o debate fluir porque são muitos outros itens e se estivéssemos paralisados, por não termos um acordo com a função dessa entidade, poderíamos perder uma oportunidade”, disse o relator .
Para o parlamentar, a opção com maior apoio no momento é a transferência dessas competências para a Agência Nacional de Telecomunicações. Outra possibilidade, disse, é deixar para a autorregulação das plataformas e, o que não for cumprido, seguirá para a esfera judicial.
CAMPANHA CONTRÁRIA
As plataformas ativaram uma intensa campanha contra o texto e, em geral, defendem que a proposta traz riscos à liberdade de expressão e aos negócios ao cobrar mais tempo para debatê-la.
Os embates atingiram um novo patamar quando o Google, que também controla o YouTube, usou sua própria plataforma para divulgar suas críticas ao projeto.
Nesta segunda-feira, um link abaixo da janela principal do buscador no Brasil levava os usuários a um link em que o diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, afirma que a conta de fake news teria o “potencial de impactam a vida de milhões de brasileiros e empresas todos os dias”.
O movimento levou o ministro da Justiça, Flávio Dino, a anunciar que vai pedir à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério uma análise da conduta, “tendo em vista a possibilidade de configuração de práticas abusivas por parte das empresas”. O relator da proposta chamou o posicionamento do Google de “jogo sujo”.
Para a Câmara Brasileira de Economia Digital, entidade que reúne Google, Facebook e TikTok, diz que o projeto “agrava riscos de controle estatal” — o grupo se diz a favor da regulamentação.
A câmara afirma ainda que, mesmo após a extinção da entidade autônoma de fiscalização de plataformas, o texto contém a figura de um órgão emissor que poderia exigir das plataformas a retirada de conteúdo “com base em premissas genéricas, sem critérios objetivos”. Isso, estimam, pode deixar a porta aberta para que qualquer órgão do Executivo apresente esse tipo de demanda.
A associação também critica o parecer por obrigar as plataformas a pagar “incluindo veículos que espalham notícias falsas”.
Em nota no sábado, a Meta, empresa responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp, disse que a nova versão do texto traz “20 artigos completamente novos, que nunca foram amplamente discutidos e contêm dispositivos que prejudicam a maioria dos brasileiros que usam a internet com o propósito de atender a alguns interesses econômicos”.
O TikTok reiterou seu apoio à regulamentação, mas disse que o projeto pode “incentivar mais desinformação” e prejudicar os empresários.
No Parlamento, as vozes mais ativas contra o projeto são nomes alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro e líderes da bancada evangélica, que se dividiram em relação ao texto, mesmo após mudanças feitas por Orlando Silva para acomodá-los.
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), por exemplo, postou em seu Instagram um site, criado no início do mês, intitulado “PL da Censura” (pldacensura.com), que contabiliza os votos contra e a favor da proposta. O site está hospedado em um domínio de São Francisco, Califórnia, com o responsável removido “para privacidade”.
Se aprovado, o projeto de regulamentação das plataformas digitais seguirá para votação no Senado.
(Editado por Flávia Marreiro)