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Assim começou a saga dos sem-terra no Brasil

    Assim comecou a saga dos sem terra no Brasil

    Geraldo Hasse*

    Autor de outros quatro livros, o jornalista Ayrton Centeno (Pelotas, 1948) lança “Primeira Terra”, uma síntese da história dos movimentos sociais do campo que tem como ponto de partida e chegada a ocupação, em 1979, da Fazenda Sarandi. , de quatro mil hectares (localizado no município de Encruzilhada do Sul – RS) quando ainda não existia o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fundado cinco anos depois, em 1984.

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    Com 224 páginas, a obra é fruto do esforço pessoal do jornalista que esteve presente no início das ocupações que, posteriormente, se transformaram em assentamentos oficiais cujos nomes – Sarandi, Nonoai, Encruzilhada Natalino e outros – fazem parte do história da reforma agrária no país. Brasil.

    Inicialmente concentrados no Rio Grande do Sul, a partir de certo momento esses episódios desencadearam o movimento migratório que se transferiu para o Brasil Central, no apoio do produtor de soja e sob a tutela dos governos militares, envolvendo fazendeiros convertidos em loteamentos agrários e estimulou a criação de cooperativas de colonização.

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    Pela sua amplitude e contundência, “Primeira terra” é uma epopéia do jornalismo que merece ser lida e discutida, tanto pelos fatos históricos que apresenta quanto pela linguagem extremamente seca com que dá voz aos marginalizados da sociedade rural brasileira, sem cair no romantismo ou escorregar no rancor da classe.

    Segundo os antropólogos que estudaram esses movimentos, seus protagonistas – colonos pobres e indígenas banidos de suas áreas de origem – constituem uma das categorias sociais mais sacrificadas da população brasileira. Em determinados momentos da história, esses personagens estão em lados opostos, como quando os índios Caingangues expulsam um contingente de colonos de sua reserva no norte do Rio Grande do Sul, que acabam sendo alojados temporariamente nos pavilhões da Expointer (Parque de Exposições Assis Brasil ), na cidade de Esteio, de onde são levados para o Mato Grosso.

    Nesse sentido, “Primeira terra” é um relato – com 11 capítulos – que nos leva a concluir que o drama continua hoje na Amazônia, onde fazendeiros, pecuaristas, garimpeiros e madeireiros invadem terras indígenas, repetindo cenas que fazem parte do História da ocupação do território brasileiro desde 1500.

    livro centeno 1

    Centrando-se nos episódios de 1979, Centeno recupera documentos gerados por colegas da imprensa e académicos universitários. Entre os repórteres que estiveram no local das primeiras invasões, destacam-se Najar Tubino, André Pereira, Renan Antunes de Oliveira, Imara Stallbaum e Carlos Wagner. Entre eles, atuando como freelancer, estava o próprio Ayrton Centeno, que diz:

    – Logo após a ocupação, em 1980, Guaracy Cunha e eu, que trabalhávamos na filial do Bloch (em Porto Alegre), fizemos – em super 8 – o filme de ocupação chamado Fazenda Sarandi. Depois, com a ocupação, barracas e mais barracas de lona preta, palha e zinco começaram a aparecer na Encruzilhada Natalino. Passamos então a acompanhar o caso de Natalino, o maior acampamento sem-terra do país na época.

    Mais de vinte anos depois, sem nunca ter se distanciado do assunto, Centeno escreveu o roteiro de um novo documentário chamado “Sarandi”, dirigido por Carlos Carmo, português que havia sido diretor de produção da TVE/RS. Com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, então chefiado por Miguel Rossetto, o vídeo narrou a ocupação de duas fazendas que funcionavam dentro da Fazenda Sarandi, um grande latifúndio que abrangia as terras onde hoje estão vários municípios como Sarandi e Ronda Alta . As antigas invasões são assentamentos onde moram pequenos agricultores com suas famílias que conseguiram sair da miséria para a pobreza com a dignidade da casa própria e um carro do século XX.

    Recentemente, para concluir o seu livro, Centeno aproveitou depoimentos gravados e não utilizados ou parcialmente utilizados no filme. E foi mais três vezes à região colher novos depoimentos e tirar fotos. Além disso, enriqueceu o conteúdo com leituras e pesquisas históricas sobre a luta pela posse da terra desde o período colonial. Em alguns trechos, a narrativa ganha romantismo, pois recupera a linguagem crua do cotidiano dos protagonistas das invasões, homens e mulheres quase sem instrução.

    O resultado final é um livro raro, disponível na Editora Autografia, no Rio de Janeiro, e na Livraria Vanguarda, em Pelotas, cidade natal do autor.

    O lançamento de “Primeira terra” acontecerá no dia 1º de dezembro, quinta-feira, no Armazém do Campo, na Cidade Baixa, em Porto Alegre.

    Ayrton Centeno escreveu as biografias do poeta Alceu Wamosy e do ecologista Henrique Roessler; o ensaio histórico “Os Vencedores” (sobre a resistência à ditadura militar) e “O Segundo Sangue”, sobre futebol.

    *Jornalista e escritor

    Fonte: Agro