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A polêmica sobre a taxa de juros no Brasil

A principal função do Banco Central do Brasil é controlar a inflação, levando em consideração a meta estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional – composto pelos Ministros da Fazenda e do Planejamento, mais o Presidente do Banco Central), o que vem sendo feito desde virada deste século. Este Conselho, ao determinar a meta de inflação, deve levar em consideração sua viabilidade, no médio prazo, levando em consideração as condições econômicas, financeiras e sociais do País. O Copom (Comitê de Política Monetária formado pelos diretores do Banco), então, estabelece a taxa básica de juros (Selic), instrumento pelo qual a inflação é controlada em direção à sua meta.

A teoria macroeconômica que sustenta predominantemente o sistema de metas de inflação tem sido chamada de Novo Consenso Macroeconômico, que se estabeleceu como dominante no final do século XX. Dezenas de países desenvolvidos (incluindo Estados Unidos e União Européia) e países emergentes utilizam esse sistema com diferentes graus de tolerância quanto à quantidade e duração dos desvios dessa meta.

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Os modelos econométricos nos quais esses bancos centrais se baseiam têm como principal marcador na determinação da taxa básica de juros a expectativa de inflação obtida dos agentes econômicos. Essa expectativa é formada a partir da avaliação do comportamento futuro da oferta e demanda agregadas do país.

Do lado da oferta, destaca-se a evolução de longo prazo da produtividade (resultado de infraestrutura, capital humano e tecnologia e eficiência). Ainda do lado da produção, a inflação e suas expectativas se movem em decorrência de choques de oferta (quebra de safra, crises internacionais que comprometem o comércio etc.). Do lado da demanda, a atenção está voltada principalmente para as políticas fiscal e monetária que afetam o consumo e o investimento. É bom ter em mente que o investimento – assim como o consumo – no curto prazo pressiona a demanda e os preços; no longo prazo, após a maturação, possibilitam aumentos de oferta. Assim, no curto prazo, do ponto de vista da inflação, não importa se o gasto público é para consumo ou investimento. Obviamente, importa se esses gastos são bem geridos e se são compatíveis com a capacidade de endividamento do setor público (relação dívida/PIB). As incertezas a esse respeito podem fazer com que, ao longo do tempo, para financiar suas atividades, o governo tenha que pagar taxas de juros cada vez mais altas, levando, em última instância, à insolvência. Nesta fase, as taxas de juros e inflação serão extremamente altas. Isso é algo que deve ser evitado de todas as maneiras possíveis.

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As expectativas de inflação têm se mostrado fundamentais para determinar a inflação a ser observada. Estudos do Cepea estimam que um aumento nas expectativas de inflação provoca um aumento pouco mais do que proporcional na inflação observada. Daí a importância de manter as expectativas, na medida do possível, ancoradas na meta de inflação. Para isso, é fundamental manter a taxa de juros e as políticas fiscais (superávit fiscal ou teto de gastos) em linha com a meta fixada pelo CMN e almejada pelo Copom. A credibilidade da autoridade monetária ajuda na ancoragem e depende do histórico de convergência da inflação e de sua meta ao longo do tempo.

Em economia, as expectativas, quando convergem para um determinado valor para a maioria dos agentes de mercado, via de regra, tendem a se confirmar. É o que ocorre quando o governo planeja e implementa estímulos à demanda agregada, ampliando seus gastos em um contexto de utilização quase total da capacidade produtiva. O Banco Central tem que agir, elevando os juros (encarecendo créditos, financiamentos e parcelas), contendo o consumo e o investimento e evitando essa expansão inflacionária da demanda.

Ao contrário do senso comum, o Banco Central pode precisar agir mesmo diante de um choque de oferta (aumento do preço do petróleo, quebra de safra, desvalorização da moeda, por exemplo). Caso contrário, tanto o vendedor quanto o comprador concordam mais facilmente em aumentar o preço do bem ou serviço que estão negociando. O vendedor decide levando em consideração que, se a inflação subir, como ele espera, terá que pagar mais para repor seu estoque. O comprador – em vez de reduzir seu consumo – o mantém e se compromete a pagar mais pelo bem. Os consumidores esperam que seus salários e rendimentos – tendo em vista o conhecido processo de indexação nos contratos – sejam aproximadamente corrigidos pela inflação e, consequentemente, aceitam mais facilmente remarcações de preços. É o caso, por exemplo, do petróleo e das mercadorias cujo transporte o utiliza. Para conter essa onda inflacionária consensual que se forma após um choque de oferta, o Banco Central pode precisar agir. Se o Banco não agir, os agentes econômicos podem entender que uma inflação mais alta será tolerada: os preços e a renda vão disparar. A verdade, porém, é que a oferta de petróleo está menor e se a demanda permanecer a mesma (por causa da espiral), os preços vão subir indefinidamente para racionar a menor oferta entre os consumidores. A elevação dos juros básicos diante de um choque restritivo de oferta é o caminho para evitar a formação dessa espiral e consequente aumento das expectativas, com aumentos de preços se espalhando mesmo entre setores econômicos não afetados diretamente pelo choque inicial.

Examinemos a trajetória da taxa básica de juros no Brasil de 2020 a 2022, período marcado mundialmente pela crise da covid-19 e pela guerra decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia. Economicamente, a crise e sua gestão implicaram redução e perturbações do lado da oferta, além de quedas de renda e demanda, com extremos custos sociais. Os governos reagiram aumentando seus gastos com diversos graus de prontidão para socorrer a população, especialmente os mais necessitados. A demanda se recupera antes da oferta.

A Figura 1 apresenta os índices trimestrais – a partir do primeiro trimestre de 2019 – dos preços ao produtor agropecuário (IPPA/Cepea), indústria (IPA IND) e geral (IPA) da FGV. Fica evidente que o IPPA/Cepea registrou os maiores aumentos, fechando 2020 68% acima do primeiro trimestre de 2019. Os maiores patamares ocorreram ao longo de 2021: IPPA/Cepea atingiu o dobro do valor do início da série; os preços industriais eram cerca de 90% mais altos. Os preços ao produtor em geral (IPA) e os preços da indústria (IPA IND) seguiram tendências semelhantes, embora um pouco mais moderadas.

Os índices de preços ao consumidor, tanto apenas de alimentos (IPCA AL) quanto o geral (considerando todos os bens e serviços de consumo: IPCA), também cresceram, embora, como sempre, a taxas bem inferiores às dos preços ao produtor. Os alimentos fecharam 2020 perto de 20% mais caros do que no início de 2019 e fecharam 2022 cerca de 40% mais caros. O IPCA geral ficou cerca de 7% acima no final de 2020, 27% um ano depois e ficou nesse patamar até o final de 2022. Variações – para cima e para baixo – nos preços ao consumidor são, via de regra, mais suaves do que ao produtor porque as margens entre esses dois níveis de mercado são relativamente mais estáveis ​​do que os preços no produtor. Por exemplo: itens de custo como salários, aluguéis, tarifas de serviços públicos, contratos em geral são reajustados anualmente. Enquanto isso, os preços ao produtor estão em mudanças quase permanentes devido aos saltos da safra (no caso da agricultura), custos dos insumos e componentes importados e também dos valores auferidos pela produção exportada (com forte influência da volatilidade cambial) . Grande parte do aumento do IPPA e do IPCA dos alimentos em 2020 e 2021 também se deveu ao aumento significativo e inesperado das transferências de renda da previdência pública que ocorreram quando as decisões de produção já foram tomadas sem que esse aumento da demanda fosse antecipado. Os preços industriais também aumentaram devido à maior demanda por bens possibilitada por economias forçadas pela redução do uso de serviços.

Como reação ao aumento generalizado de preços, a taxa Selic, que vinha caindo, começou a subir em 2021 e continuará acelerando em 2022, conforme mostra a Figura 2, que mostra as taxas trimestrais da Selic nominal e real ( descontando a inflação) e o IPCA. Ele também traz o gap de saída. Esta é uma medida percentual da diferença entre o PIB real e o PIB potencial, que representa a quantidade de PIB que poderia ser produzida usando toda a capacidade produtiva sem pressão inflacionária.

Refira-se que, no segundo trimestre de 2020, o Hiato torna-se bastante negativo devido à crise da covid-19, mas, durante o ano de 2021, verifica-se um forte aquecimento da economia com aumento do Hiato – face ao as injeções de renda assistencial e o retorno gradual ao trabalho – que, ainda assim, continua negativo. Esse aquecimento causa tensão inflacionária. O Gap se aproxima de zero em 2022, tornando-se positivo. Neste contexto, aumentos da procura tendem a conduzir a aumentos significativos da inflação.

A taxa de inflação – em torno de 4,5% ao ano em 2019 e 2020 – supera os 10% em 2021 – embora a economia tivesse capacidade ociosa, que vinha diminuindo, porém, em ritmo acelerado. Em 2022 a inflação anual chega a quase 6%. A alta do real Selic em 2021 parte de um valor real negativo, que passa a ser positivo apenas em meados de 2022, com queda significativa do IPCA no terceiro trimestre de 2022. Mas a tendência de alta continua, embora mais moderada. Do lado fiscal, os superávits primários (excluindo despesas com juros da dívida pública) têm se mantido em média em quase 1,5% do PIB desde o último trimestre de 2021. Dívida pública persiste acima de 70% do PIB, com expectativa de atingir 78% no final de 2023 e chegar a 80% em 2024, segundo o Instituto Fiscal Independente (IFI). Portanto, a viabilidade da continuidade de políticas fiscais expansionistas (despesas maiores que receitas) fica restrita. O governo precisa fazer escolhas de acordo com suas prioridades, contendo o crescimento das despesas e viabilizando assim a sustentabilidade da dívida pública.

As expectativas de inflação dos agentes de mercado, coletadas pelo Banco Central (Pesquisa Focus), apontam para 5,9% em 2023, acima da meta, portanto, de 3,25%; para 2024, a expectativa é de 4%, com meta de 3%. Os agentes econômicos ainda não estão convencidos de que as escolhas necessárias serão feitas. Ainda não há, portanto, espaço para uma redução segura nem na meta de inflação nem na taxa Selic real. O risco é de um enfraquecimento maior das expectativas e da necessidade de um aumento substancial dos juros para trazer a inflação para uma meta baixa. Resta a possibilidade otimista de que os ajustes implementados na reforma fiscal, em análise pelo Congresso Nacional, levem os agentes econômicos a uma percepção mais otimista e sustentável dos fatores macroeconômicos e financeiros da economia brasileira.

Fonte: Agro

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