As últimas colheitas não foram fáceis para os agricultores argentinos e as notícias da colheita não são muito animadoras. Segundo levantamento feito pelo agtech SIMA – Sistema Integrado de Monitoramento Agrícola, a produtividade dos cereais caiu 35% na última safra. Esses dados trazem uma perspectiva relevante sobre a vulnerabilidade da cultura diante das adversidades climáticas, e como a safra e a economia brasileira relacionada ao grão estão à mercê da grande demanda nacional.
No contexto da forte seca que afetou o campo argentino, a agtech, que monitora mais de seis milhões de hectares em oito países latino-americanos, fez um raio-X do que restou da última safra de trigo com base nas informações coletadas de seus usuários. No entanto, é importante esclarecer que estes são dados médios para todos os usuários do SIMA na Argentina, independentemente das zonas agrícolas, datas de plantio ou variedades utilizadas. “É um relato geral e serve como um guia do que aconteceu e não como uma realidade absoluta para nossos usuários”, reforça Maurício Varela, cofundador da startup.
O cenário das últimas safras está intrinsecamente relacionado aos impactos do evento La Niña no território. O fenômeno é caracterizado pelo resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial, provocando mudanças climáticas em todo o país, afetando diretamente o regime de chuvas. Nesse contexto, ao final da safra da safra 2022/23 na Argentina, os dados do SIMA mostraram que a produtividade média dos usuários foi de 2.800 kg/ha de trigo, um pouco acima da média nacional do país, que ficou em torno de 2.200 kg/há .
Face à época anterior, a quebra de rendimento verificada entre os utentes do SIMA foi de cerca de 35% face ao mesmo período do ano anterior. “Nesse sentido, é importante esclarecer que nossos clientes, ao planejar a safra de trigo, expressaram a expectativa de atingir uma produtividade de 3.800 kg/ha, a mesma da safra 2021/22”, aponta Varela.
Principais adversidades desta cultura
De acordo com os registros da plataforma, plantas daninhas e doenças foram as categorias de adversidades mais detectadas. Em todos os monitoramentos realizados no cereal, 55% dos casos foram marcados pela presença de plantas daninhas. Enquanto 50% dos relatos de campo registraram alguma doença. A planta daninha com maior presença foi a Conyza bonariensis, popularmente conhecida como buva, que foi detectada em mais de 20% dos monitoramentos realizados. Nesse sentido, vale ressaltar que nas últimas três safras essa foi a erva daninha dominante.
Em relação às doenças, o fungo necrotrófico Pyrenophora tritici-repentis, causador da mancha amarela, foi o mais detectado, em pouco mais de 30% dos controles de campo. “Em termos gerais, as doenças tiveram menor presença nas lavouras quando se observa o comportamento das últimas três safras. Esse fato estava diretamente relacionado à falta de chuva que ocorreu em grande parte do território argentino ao longo do ano”, destacou o profissional.
Perfil sanitário e variedades mais plantadas
A variedade mais plantada na safra passada, segundo registros do SIMA, foi novamente a Baguette 620. Ao contrário das safras 2021/22 e 2020/21, em 2022/23 mudou o perfil das cultivares selecionadas pelos produtores e usuários argentinos. Das safras anteriores, apenas a Baguette 620 é a variedade que resta, enquanto “Larch Pehuen” e “Nutria” estavam entre as mais escolhidas.
Conforme já analisado em outros relatórios, 60% da área plantada dentro do SIMA é composta por no máximo cinco variedades. Porém, diferentemente dos anos anteriores, para a safra 2022/23 houve uma nova composição das cinco melhores cultivares, o que também gerou um novo perfil sanitário, o que não foi observado nas safras 2020/21 e 2021/22.
Quanto à presença geral de doenças, detectou-se uma melhora no panorama sanitário do país para a ferrugem linear (Puccinia striiformis), principalmente quando consideradas as condições causadas pelo La Niña e o desempenho das cultivares selecionadas. Na safra 2021/22 não houve variedade plantada com “bom” comportamento contra a ferrugem, e para a safra 2022/23 puderam ser observados materiais considerados “resistentes” e “moderadamente resistentes” a esta adversidade, conforme avaliação do cultivares pelo Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA).
Esta tendência do mercado responde claramente ao facto de, em anos anteriores, esta doença ter vindo a aumentar no território, causando grandes prejuízos e perda de produtividade nas culturas.
Impactos no Brasil
O Brasil é um dos maiores importadores de trigo argentino do mundo e essa dependência tem impactos significativos na economia. Em 2022, o Brasil desembarcou cerca de 5,7 milhões de toneladas do cereal, sendo 71% desse volume ofertado pela Argentina. Importar esse produto da Argentina é estratégico para o Brasil, já que a safra produzida no país vizinho tem um custo menor devido à proximidade geográfica e facilidade de transporte. “No entanto, a dependência torna o Brasil vulnerável a qualquer interrupção no fornecimento do produto, como foi observado nas últimas safras afetadas pelo La Niña”, enfatiza Varela.
A quebra de safra na Argentina tem impacto direto no atendimento da demanda brasileira. A diminuição da oferta de trigo no mercado nacional leva a aumentos de preços, afetando negativamente o consumidor final. Dessa forma, estar atento aos indicadores de produção e às adversidades em nível internacional é fundamental para a resiliência da cultura e da economia ligada à comercialização do grão.
O Brasil segue com a missão de ampliar sua produção e consequentemente reduzir a dependência do mercado externo. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a produção de trigo nos campos brasileiros foi estimada em 11 milhões de toneladas no ano-safra 2023/2024, ante 10,6 milhões no ano anterior. Alguns especialistas projetam que o Brasil pode ser autossuficiente em trigo em 10 anos, porém, o maior desafio é superar as quase 13 milhões de toneladas consumidas no país hoje.