Como se não bastasse a apreensão do setor agropecuário com a expansão da gripe aviária na América do Sul, no dia 23 de fevereiro o Brasil suspendeu as exportações de carne bovina para a China, devido ao surgimento de um caso atípico de EEB (“doença da vaca louca”). ”) no estado do Pará. Essa suspensão, mesmo que temporária, impactou imediatamente os preços do boi (gráfico 1).
Embora a carne bovina tenha preços muito “legais” para a carne suína há muito tempo, o nível de especulação nas últimas semanas vem pressionando para baixo os preços pagos aos suinocultores. Os preços da carne suína vinham subindo em todos os mercados desde o final de janeiro (Gráficos 2 e 3), atingindo o pico em meados de fevereiro, quando a bolsa de BH fechou o preço por duas semanas a R$ 8,40/kg vivo. Coincidência ou não, logo após a notificação do caso atípico de EEB em 22/02/23, o mercado de carne suína começou a esfriar, com queda contínua nos preços que chegaram a R$ 7,30 na última edição da bolsa mineira (16/03). Não há elementos que sustentem essa queda de preço por muito tempo, pois é claro que diferentemente do mesmo período do ano passado, quando a disponibilidade interna de carne suína era muito alta em relação ao consumo, hoje temos um ajuste maior entre oferta e demanda.
Segundo levantamento do MBAgro, tivemos nos últimos anos dois episódios de EEB atípica no Brasil, o primeiro em 2019, quando a China suspendeu suas importações de carne brasileira por 14 dias e o segundo episódio em 2021, quando o embargo durou um longo 104 dias. Na ocasião, foram identificados dois casos em dois estados brasileiros diferentes, além disso, houve demora na detecção e envio de amostras, fatores que contribuíram para uma suspensão mais longa das exportações. Com a saída temporária dos frigoríficos do mercado, o preço do boi deve continuar em queda. Nesse período de suspensão das importações brasileiras para a China, os chineses teriam que usar os estoques existentes e tentar aumentar a oferta de outros países, onde não há oferta abundante, favorecendo um ciclo de alta de preços no mercado chinês. Justamente por causa dessa questão do aumento de preços, que já estava em curso naquele país, agora ligada à falta de abastecimento de seu principal fornecedor de carne bovina, a consultoria MBAgro não vê justificativas técnicas ou econômicas para um atraso muito grande na retomada das exportações brasileiras para a China.
O IBGE divulgou os dados definitivos de abate de suínos do último trimestre de 2022, confirmando um crescimento significativo do consumo interno em relação ao ano anterior; enquanto a produção brasileira aumentou 5,41%, o consumo per capita aumentou 6,10%, atingindo 19,32 kg/habitante/ano (gráfico 4).
As exportações continuam superando os volumes do início do ano passado, com crescimento tanto nos volumes totais quanto para a China (tabela 1). Apesar de uma pequena queda no valor unitário em dólares exportados em relação ao final do ano passado, quando comparado aos dois primeiros meses de 2022, os valores de janeiro e fevereiro de 2023 são bastante satisfatórios.
Em relação à Peste Suína Africana (PSA) na China, desde 2018, quando foi notificada, houve uma mudança no perfil do rebanho chinês que, após sofrer uma perda estimada de quase 40% da produção, se recuperou. No entanto, o vírus nunca foi totalmente controlado e, neste momento, há relatos de que a doença está ressurgindo no país, o que pode resultar em perdas estimadas entre 8 e 15% do rebanho. Essas perdas seriam devidas direta ou indiretamente à doença, com a liquidação “preventiva” dos rebanhos não só para evitar o contágio, mas também para diminuir as perdas da queda do preço, pois uma maior liquidação resulta em maior oferta em um curto período de tempo e uma queda acentuada nos preços. Assim, as consequências no curto prazo são aumento da oferta interna e redução dos preços, e no médio/longo prazo, escassez e alta de preços.
O sexto levantamento da safra brasileira 2022/23 divulgado pela CONAB manteve a previsão de produção recorde de milho e soja. Com relação ao milho, comparando com o levantamento anterior (tabela 2), a CONAB revisou novamente o estoque de passagem deste ano de 7,89 milhões para 8,07 milhões de toneladas.
A grande preocupação é o excesso de chuvas no Centro-Oeste e no Paraná, que acarretou um atraso significativo na colheita da soja e, consequentemente, o plantio do milho para a 2ª safra fora da janela ideal, com risco de perdas futuras de produtividade em algumas regiões importantes.
No mercado internacional de grãos, a Argentina é o grande player que terá queda significativa na oferta de milho e soja devido à seca que assolou o país. O último relatório do USDA, publicado em 03/08, reduziu a produção de soja em 8 milhões de toneladas, projetando uma produção de 33 milhões de toneladas no país platina, uma redução de quase 20% em relação à estimativa de fevereiro, o menor volume de produção de soja em o país em 14 anos. A expectativa de produção de milho na Argentina também caiu, das 47 milhões de toneladas anunciadas em fevereiro, para 40 milhões de toneladas (-15%). Mesmo com essa quebra de safra na Argentina, ainda se espera grande oferta de grãos no segundo semestre, principalmente com a expectativa de clima favorável nos EUA.
Os preços do milho e do farelo de soja no Brasil têm se mantido estáveis, mas ainda em patamar elevado em relação aos preços de venda da carne suína (tabela 3).
Enquanto em 2022 as cadeias de commodities foram afetadas pela eclosão da guerra na Ucrânia, que pressionou os custos de fertilizantes e grãos, 2023 deve ter a saúde animal como foco de atenção, com o agravamento da PSA na China e a gripe aviária se espalhando pelo mundo e já presente Na América do Sul. Ainda é cedo para avaliar o impacto dessas doenças na dinâmica do mercado de carnes, mas é preciso monitorar essas variáveis.
Quanto às ocorrências da vaca louca atípica, é urgente que o Brasil reveja o protocolo firmado com a China, pois é evidente que o sistema pecuário brasileiro é altamente seguro, mas casos atípicos continuarão aparecendo e esses embargos, embora transitórios , causam danos irreparáveis às cadeias de proteína animal brasileira.
Para o presidente da ABCS, Marcelo Lopes, “O início do ano é sempre desafiador para os suinocultores, mas este ano o desafio é mais brando do que nos últimos anos e o horizonte ainda é animador, apesar dos riscos que se apresentam e do alto nível de endividamento do setor que passou por um longo período de crise”.