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Cafeicultura no vermelho: sem perspectiva de melhora, 2024 ainda pode ser…

Levantamento da CNA considera queda significativa de preços em junho, impactos de fertilizantes e reforma tributária

Desde a safra de 1920, os cafeicultores vivem períodos de instabilidade, seja pelas condições climáticas ou pela intensa volatilidade dos preços. Com a colheita avançando no Brasil e com a precificação de mercado baseada nas condições das plantas para o ano que vem, só no mês de junho as cotações na Bolsa de Nova York caíram 40% na comparação com o mesmo período do ano passado.

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Entre o primeiro e o último dia útil do mês, o contrato de referência passou de R$ 1.020,00 para R$ 830,00 para uma bebida forte tipo 6, o que representa uma queda de aproximadamente 19% no período. Diante desse cenário e com os altos custos dos últimos ciclos, os dados mais recentes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostram que as contas “empatam” ou não apresentam grande rentabilidade para o cafeicultor.

O levantamento feito por Raquel Miranda, assessora técnica da CNA, a pedido do Notícias Agrícolas, mostra que nos últimos anos, apesar da explosão de preços sustentada por preocupações de abastecimento, com custos elevados, os produtores tiveram apenas um ou dois meses de rentabilidade atrativa nos últimos três anos.

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Atualmente, a CNA monitora os custos de produção do arábica e do conilon, e em seis estados, a saber: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rondônia, Bahia e Paraná. Nesse sentido, três indicadores são avaliados pela avaliação: Custo Operacional Efetivo, que corresponde aos desembolsos diretos da produção, Custo Operacional Total, que são os desembolsos diretos acrescidos da depreciação dos ativos produtivos e do pró-labore do produtor, e o custo total da safra que, além dos custos citados, considera o “custo de oportunidade” e o retorno dos bens de capital.

Os valores foram avaliados com as negociações do último mês de junho e, segundo o especialista, nenhum dos três indicadores apresentou patamar positivo de lucro econômico no período.

Em setembro de 2022, quando a CNA analisou a safra passada, os dados indicavam que apesar do alto custo de produção – puxado principalmente pelos fertilizantes, o mercado também operava com café em patamares de R$ 1.300,00 e apenas um dos mercados avaliados teve saldo líquido negativo margem para o produtor. No momento, com a pressão nas cotações e no preço pago ao produtor, o cenário é inverso.

Café - Foto Envato (12)
Mão de obra, fertilizantes e combustível são os maiores gargalos do produtor

“Você olhou a cafeicultura e viu a cafeicultura em um bom momento, em que a maioria dos painéis estava em um bom momento econômico ou pelo menos com margem bruta positiva. Hoje já estamos falando do preço de venda do café arábica em torno de R$ R$ 850 a saca (arábica) e isso mostra que para todos os 15 painéis monitorados pela CNA, no retrato junho, não há nenhum painel dando lucro, cobrindo todos os custos de produção”, comenta.

Raquel explica os indicadores ou mostra que esses números mostram que outras atividades apresentam um cenário de pouca atratividade em relação a outras atividades. “O termo perda dentro da análise econômica indica se essa atividade está sendo mais ou menos interessante em relação a outra atividade, que então comparamos com uma atividade que rende 6% ao ano, que seria o rendimento histórico da poupança”, explica.

Entre os 15 painéis avaliados pela CNA, quatro deles mostraram que o produtor perde em atratividade, mas ainda paga o custo e remunera o produtor. Oito apresentaram um “empate” na vida financeira desse cafeicultor, ou seja, quando ele paga o custo e arca com as despesas da família. E três painéis, que correspondem a 20% de toda a análise, não contemplam sequer os desembolsos diretos feitos pelo produtor. “Não dá nem para cobrir o que o produtor está tirando do bolso para produzir café. Esse cenário no retrato de junho de 2023”, diz.

O levantamento mostrou que apesar da queda nos fertilizantes, esse ainda é o maior gargalo nos custos da produção do café, que corresponde entre 30% e 35%. Em seguida, estão as despesas trabalhistas e gerais. A CNA avalia separadamente os custos da produção manual, semimecanizada e das lavouras 100% mecanizadas.

No caso das áreas manuais e semimecanizadas, a mão de obra representa entre 40% e 28% do custo do desembolso direto respectivamente, considerando tanto o manejo das lavouras quanto a colheita. Em áreas 100% mecanizadas, o custo é de no máximo 20%. As despesas gerais incluem compras de materiais para colheita, como tecidos, EPIs, óleo para máquinas e manutenção de tratores. A avaliação também considera a taxa de juros daquele produtor que utilizou uma linha de crédito.

“Muitos desses produtores zeraram esse recurso ou reduziram significativamente seus empréstimos para rodar sua atividade. Nesse cenário que a gente está vendo agora e o produtor ainda carregando um custo muito alto, provavelmente mesmo com os juros altos, esse produtor vai ter que pegar crédito para fazer essa atividade. Dos 15 painéis, nenhum está sendo mais atrativo quando comparado a outras atividades. Muito provavelmente o produtor será obrigado a pegar crédito mesmo que esse crédito tenha uma taxa de juros alta”, comenta.

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Demonstrativo dos custos de produção por hectare, para a cultura do café Arábica, adquirido com Receita Bruta por hectare.
Valores referentes a junho de 2023 – Modal de Poço Fundo corresponde à produção de café arábica orgânico

E O FUTURO?

A 23ª safra ainda está em andamento, mas é hora do produtor começar a pensar no próximo ciclo. Com o mercado apostando na recuperação da produção no Brasil, não há expectativa no curto prazo de que os preços voltem a ficar em torno de R$ 1.300,00. Por outro lado, também não há expectativa de redução significativa nos custos de produção até o início do próximo ciclo.

Entre os fatores de manutenção dos custos elevados estão os gastos com combustíveis e fertilizantes com aumento estimado de 20%, dependendo da aprovação da Reforma Tributária, o custo desses itens poderá ser ainda mais impactado. Os custos trabalhistas, por outro lado, podem aumentar mais 5% no próximo ano.

“Enquanto o preço de venda do café deve permanecer nesses patamares, entre R$ 800 e R$ 900 para o arábica, é o que estimamos para essa faixa. Claro que isso vai depender do câmbio, da oferta de outros países. Para o arábica, o mercado aposta em uma safra muito boa já este ano, e para 2024 deve ser uma safra melhor que 23. Estamos falando de um cenário atual de margens apertadas na maioria dos painéis, mas se essa perspectiva de aumento continuar em em termos de custo, provavelmente essa safra de café deve ficar no vermelho, muitos painéis não cobrem os desembolsos diretos, principalmente quando olhamos para o cenário de médio prazo”, diz.

Literalmente “batendo a água até o pescoço”, como afirma o especialista, se os preços caírem mais, o produtor pode não conseguir arcar com os custos. Raquel explica que, neste momento, a melhor opção para o produtor é o planejamento e a gestão.

“Se o produtor não planejou nesses últimos dois anos, nesse período, mesmo que seja curto, fica difícil planejar agora com o cenário menos favorável, onde estamos vendo a margem apertada. Mas é importante administrar os preços de venda, trabalhar com um mecanismo de mercado a termo – seja por meio de cooperativas ou negociação em bolsa”, acrescenta.

Raquel lembra ainda que é importante o produtor ter uma participação nesse mercado futuro para não sentir os impactos negativos no médio prazo. “O número de produtores com bloqueios para 2023, 2024 e 2025 diminuiu muito. Muitos desses produtores estão desprotegidos nesse mercado “forward”, especulam. É preciso planejar, gerenciar preços de venda, trabalhar em fechamentos, mas também trabalhar com parceiros comerciais que vão agregar valor ao seu café, isso é um plus”, comenta.

Ele ainda acrescenta que é importante para o cafeicultor estar atento a todas as oportunidades de mercado, tanto com cooperativas, como também com vendas diretas, principalmente aquelas que produzem cafés especiais.

“O cenário hoje não é tão positivo, mas ainda é um cenário em que o produtor consegue fazer fechamentos para 2024 em torno de R$ 1.000,00. Ele até consegue fazer negócios mais positivos, dependendo da cooperativa ou comerciante que vai procurar. Precisa ficar de olho no mercado meteorológico, às vezes um “alarme meteorológico” é a hora de fazer um bloqueio. Procure uma seguradora, principalmente naquelas regiões que possuem mais risco e continue trabalhando com qualidade e agregando valor e sendo cada vez mais eficiente e profissional em sua atividade. Agora é a hora de pensar em análise de solo, análise foliar para não errar na adubação, cujos investimentos são interessantes para otimização de custos. Estamos falando de um cenário de pelo menos 2024 com muitos desafios para a cafeicultura”, conclui.

Fonte: Noticias Agricolas

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