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Pesquisa desenvolve filé de pirarucu enlatado

    Pesquisa desenvolve file de pirarucu enlatado

    Pesquisadores da Embrapa desenvolveram filé de pirarucu (Arapaima gigas) enlatado, uma tecnologia agroindustrial que agrega valor ao pescado e desponta como potencial ativo de bioeconomia e desenvolvimento na Amazônia. O pirarucu está entre os maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo e tem chamado a atenção de consumidores, gestores e produtores de todo o país, principalmente na Amazônia, de onde é originário. Dentre as características atrativas ao mercado, destacam-se o rápido ganho de peso desse peixe e o aproveitamento da carne, superior à encontrada no gado.

    A tecnologia está à disposição de empresas interessadas em dar continuidade às pesquisas e levá-las ao mercado consumidor. Ele foi desenvolvido por meio de uma parceria entre a Embrapa Amazônia Oriental (PA) e a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e resultou em uma comunicação técnica detalhando todo o processo, que pode ser acessada gratuitamente no site da instituição.

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    A pesquisadora Alessandra Ferraiolo, uma das autoras do trabalho, defende que é preciso diversificar as conservas de pescado existentes no mercado e, com isso, possibilitar agregação de valor, bem como aumentar a vida útil do pescado fresco.

    O pirarucu é um peixe carnívoro que pode atingir, em condições naturais, até três metros de comprimento e ultrapassar os 200 quilos. No caso da criação comercial, em cativeiro, os números também são animadores, já que o animal chega a 12 quilos em apenas um ano, tamanho apreciado pelo mercado.

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    Em termos de desempenho econômico, pesquisas da Embrapa indicam que o pirarucu supera duas vezes o tambaqui (CoIossoma macropomum) e até 40 vezes os búfalos, bovinos e ovinos. Considerando o alto rendimento de carne, o que indica a espécie com alto potencial para piscicultura industrial.

    Segundo Ferraiolo, o objetivo do trabalho é agregar valor e incentivar o consumo da espécie, além de diversificar as conservas de pescado. “O objetivo do trabalho foi desenvolver pirarucu enlatado proveniente da pesca e da piscicultura e avaliar os produtos quanto às características físico-químicas, sensoriais e qualidade microbiológica”, detalha.

    Ela explica que as vantagens da espécie para esse tipo de processo agroindustrial estão no rendimento do músculo e na qualidade da carne. “A carne do pirarucu tem cor clara, textura firme, sabor suave, o que agrada ao consumidor. A ausência de espinhas intramusculares e o baixo teor de gordura são outros pontos importantes”, diz o cientista.

    Do rio para a lata

    O trabalho dos cientistas envolveu, além do desenvolvimento das conservas, a avaliação da qualidade do produto final para incentivar o consumo da espécie e fomentar sua cadeia produtiva. Os produtos enlatados foram avaliados quanto às características físico-químicas, sensoriais e qualidade microbiológica. A pesquisadora conta que foi obtido um produto de boa qualidade nutricional, sensorial e sanitária. Também é considerado um produto de conveniência, pois é de fácil preparo, semi-pronto ou pronto para consumo. “Os filés de pirarucu em lata dispensam a cadeia de frio para armazenamento, distribuição e comercialização”, enfatiza o cientista.

    Ela lembra que, como qualquer peixe, o filé da espécie é altamente suscetível à deterioração, desafio que a apresentação enlatada ajuda a vencer. “O processamento aumenta a vida de prateleira, a diversidade de produtos e a aceitação do pescado pelo mercado consumidor, além de permitir melhor controle de qualidade e aproveitamento de subprodutos, sem perder os benefícios nutricionais”, defende o cientista ao ressaltar que o o alto teor de nutrientes presentes no pirarucu o torna recomendável para o consumo.

    Pelo processo agroindustrial desenvolvido, os filés foram higienizados em solução clorada, imersos em salmoura (3% de sal refinado), escorridos, cortados e acondicionados em latas. Em seguida, o líquido de cobertura foi adicionado à base de salmoura a 2% e as latas foram submetidas aos processos de exaustão, emenda, tratamento térmico e resfriamento.

    Degustações, em testes sensoriais, também foram realizadas e indicaram que a conserva feita com pirarucu da piscicultura teve preferência em relação à feita com peixe da pesca. Os peixes cultivados se destacaram em textura, sabor e atributos de impressão geral. O resultado geral foi a intenção positiva de compra do produto. “O pirarucu enlatado, proveniente da pesca ou piscicultura, apresentou boa aceitação sensorial”, diz Ferraiolo.

    Mercado

    Os dados oficiais sobre a produção de pirarucu têm oscilado nos últimos anos. Após um aumento registrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015, quando a produção nacional atingiu algo em torno de oito toneladas, houve uma queda significativa em 2020, quando, segundo o instituto, a produção conseguiu chegar a duas toneladas.

    Esses números, porém, não condizem com a realidade da produção de pirarucu, segundo Francisco Medeiros, presidente executivo da Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR). Medeiros relata que os dados do IBGE provavelmente registraram apenas a criação comercial e não a produção decorrente de planos de manejo. “A produção de pirarucu está dividida entre criação comercial em cativeiro e planos de manejo comunitário, esta última nos diversos estados da Amazônia”, enfatiza o presidente da PeixeBR.

    Sobre a discrepância de dados, Medeiros acredita que pode estar relacionada à dificuldade de mensurar o manejo da pesca nas comunidades tradicionais. Segundo registros do PeixeBR, só o estado do Amazonas produziu cerca de três toneladas em 2020, ou seja, uma tonelada a mais do que o registrado pelo IBGE.

    O PeixeBR reconhece, no entanto, que houve uma queda acentuada na produção em cativeiro, mas, ao mesmo tempo, um aumento significativo na produção proveniente do manejo e da organização comunitária. O executivo avalia que o mercado desse peixe tem muitos gargalos, mas também potencial e que o papel da pesquisa, união de esforços e implementação de políticas públicas, pode reestruturar e alavancar a cadeia da espécie nativa.

    Se por um lado houve queda na produção da piscicultura, o mercado de enlatados segue aquecido e projeta crescimento, segundo levantamento divulgado pela consultoria Mordor Intelligence. O estudo Mercado de conservas – crescimento, tendências, impacto da COVID-19 e previsões (2022 – 2027) prevê o crescimento do setor para os próximos anos, com destaque para os peixes e frutos do mar. Segundo o inquérito, a pandemia da COVID-19 provocou uma evolução positiva no consumo de conservas, com mais pessoas a recorrerem à alimentação caseira e à compra a retalho, hábito reforçado durante os períodos de confinamento, e que tem vindo a ser incorporado nas rotinas.

    O relatório destaca ainda que o mercado de alimentos enlatados, em especial peixes e frutos do mar, é impulsionado principalmente pela crescente população urbana que prefere alimentos fáceis e práticos e ganha força na demanda por alimentos saudáveis, ricos em proteínas, fibras funcionais, vitaminas e Ácidos gordurosos de omega-3.

    Expectativa de novos mercados

    O pirarucu é um peixe que traz versatilidade econômica aos produtores, seja no manejo ou na piscicultura, pois tudo aproveita o animal. A carne, que ultrapassa os 50% no aproveitamento da carcaça, pele, escamas e até da língua, tem valor comercial e nichos de mercado com alto valor agregado. Os resíduos também podem ser processados ​​como insumo para ração animal. Características que tornam a espécie adequada ao conceito de “economia circular”.

    Essa versatilidade chamou a atenção da família Arima, da cidade de Benevides, Região Metropolitana de Belém, capital do Pará. Dona da Paima Pescado, a família trabalha com piscicultura há sete anos e o pirarucu é um dos principais produtos da empresa, conforme explica o empresário Koji Arima.

    O Pará está entre os maiores produtores do país, segundo o IBGE, e a família Arima continua apostando no potencial do pescado. A empresa desenvolveu um sistema de criação próprio, em tanques escavados que permitem o adensamento e rápido crescimento dos animais. “Chegamos a 200 animais por tanque e estamos investindo na verticalização da produção, trabalhando desde a criação de matrizes, alevinos, engorda, chegando ao processamento total do peixe ao final de um ano”, explica o empresário.

    Atualmente, a empresa possui 20 tanques, com capacidade para produzir 100 toneladas por ano e a previsão é expandir para mais 40 tanques até o final de 2023. “Abastecemos os supermercados de Belém com filé fresco e entregamos em todo o Brasil sob demanda. Nossa expectativa é atingir o mercado internacional”, anuncia.

    sacos de pirarucu

    De olho no mercado e na verticalização do negócio, a empresa também criou um novo empreendimento, a Domfisher, para a fabricação de bolsas acessórios utilizando o couro de pirarucu como matéria-prima. “Nossos produtos são feitos na Amazônia e queremos ganhar o mundo”, afirma o empresário.

    gestão de pesca estruturada

    Os planos de manejo da pesca do pirarucu foram consolidados ao longo dos últimos 20 anos. Se há décadas havia risco de extinção da espécie, devido à pesca predatória, hoje a realidade de dezenas de comunidades na Amazônia brasileira é de estoques renovados, planos de manejo consolidados, organização comunitária e o início, ainda que tímido, de conquistas economia dessa atividade. É o que afirma Ana Cláudia Torres Gonçalves, coordenadora do Programa de Manejo Pesqueiro do Instituto Mamirauá (AM).

    Segundo ela, os planos acompanhados por Mamirauá têm capacidade de ampliar a produção da pesca do pirarucu e que entre os problemas enfrentados ainda está a dificuldade de armazenamento e resfriamento, além de buscar novos mercados que possam eliminar atravessadores, garantindo preços mais justos para comunidades e valorização da preservação dos recursos naturais da Amazônia.



    Fonte: Agro